
Pierre Rabhi: “Apenas a escolha da moderação das nossas necessidades e desejos, a escolha de uma sobriedade libertadora e voluntariamente consentida, nos permitirá romper com esta ordem antropófaga chamada ‘globalização’.” Foto © Dominique Bernardini / Wikimedia Commons
Suspensa no ano passado devido à crise mundial de saúde pública, a Conferência das Nações Unidas sobre Alterações Climáticas (COP26) decorre até 12 de Novembro no Reino Unido.
Os media têm concedido à iniciativa uma significativa e justificada atenção e o jornal digital francês Mediapart teve a boa ideia de lançar na quarta-feira, 27 de Outubro, uma newsletter quinzenal sobre ecologia, destacando uma pergunta assaz relevante: “Por onde anda a sobriedade?”
A resposta à questão alude em parte à realidade francesa, mas a sobriedade, a “ideia de que, colectivamente, podemos gastar menos energia – e não apenas reduzindo o desperdício”, pode ter uma inestimável repercussão global. A sobriedade é uma excelente ideia para uso individual, mas é também uma promissora ideia política, hoje ainda mais bem-vinda. É sobre esta dimensão que a jornalista Amélie Poinssot fala, observando que a sobriedade se poderia afirmar em quatro áreas, de modo a “relançar o sector ferroviário, por exemplo – inclusive nas áreas rurais onde tantas linhas de comboio foram abandonadas – para reduzir o uso individual do automóvel”; “limitar as novas construções e privilegiar a renovação das existentes”; “favorecer o conserto dos objectos em vez de a sua obsolescência”; e “parar a correria à industrialização da agricultura, que emite muitos gases de efeito de estufa”.
Os exemplos, aliás óbvios, poderiam evidentemente multiplicar-se, mas, de facto, em França ou em Portugal – onde, recorde-se, em nome do progresso, o cavaquismo empreendeu uma das mais nefastas políticas públicas ao promover a destruição da ferrovia nacional –, seria crucial “basear uma política energética na noção de sobriedade, que é um dos pilares do pensamento ecológico”. Tal, acrescenta, seria, para além de uma escolha política forte, um modo certeiro de promover os empregos de amanhã.
Amélie Poinssot tem razão ao referir que o controlo do consumo poderia ser a principal ferramenta para alcançar a neutralidade de carbono em 2050, ainda que não tenha sido este o rumo tomado. O que se tem incentivado é a lógica produtivista.
A sobriedade é uma ideia antiga e bem-aventurada. É também uma “ética de vida”, essa “sobriedade feliz”, de que, desde há anos, tem vindo a falar o argelino Pierre Rabhi.
Desde meados do século passado, ele reparou no homem alienado “instado a aceitar uma forma de aniquilação pessoal com o único propósito de fazer girar a máquina económica”. “Eu tinha 20 anos e a modernidade pareceu-me uma grande farsa”, disse ele.
Pierre Rabhi olha para a economia e vê “apenas uma pseudo-economia que, em vez de gerar e repartir os recursos comuns à humanidade com uma visão de longo prazo, se contentou, na sua busca pelo crescimento ilimitado, em elevar a predação à categoria de ciência”. A consequência foi a ruptura do vínculo filial e visceral com a natureza. “Ela não é mais do que uma fonte de recursos a ser explorada – e a ser exaurida”.
A sabedoria de Pierre Rabhi oferece uma proposta urgente: “apenas a escolha da moderação das nossas necessidades e desejos, a escolha de uma sobriedade libertadora e voluntariamente consentida, nos permitirá romper com esta ordem antropófaga chamada ‘globalização’”. Não ignora ele que é inegável que o progresso essencialmente técnico tem gerado inovações extraordinárias. No entanto, “por falta de uma ética e de uma inteligência generosa para contribuir para o advento de uma sociedade planetária pacificada e convivial, tem contribuído para o caos, dando aos nossos impulsos destrutivos ferramentas de uma eficiência sem precedentes e levou à fragmentação de uma realidade de natureza unitária”.
A sobriedade é um caminho por que se opta, não é um destino involuntário como é, frequentemente, a pobreza ou a miséria, as quais devem ser combatidas. Permitindo que se coloque o humano e a natureza no centro das preocupações comuns, para, “por fim, devolver ao mundo leveza e sabor”, a “sobriedade feliz”, tal como é preconizada por Pierre Rabhi, permite que “muito para além dos prazeres superficiais sempre insaciáveis”, se redescubra “a vibração do encantamento, o sentimento daqueles primeiros seres para os quais a criação, as criaturas e a terra eram antes de tudo sagradas”.