
Peter Brueghel, o Velho, Os Inválidos (Os Mendigos), 1568 (pormenor)
O medo que tenho de envelhecer não tem nada a ver com o medo que tenho de ficar velha.
A velhice soa-me a poesia, a história, a vida, a sabedoria – sim, quem lá chega diz que esta não passa de uma visão romântica da inevitabilidade. Posso até aceitar, mas o certo é que tenho fascínio pelos velhos, sempre quis ser velha, desde cedo. Não há companhia que os supere.
O meu medo de envelhecer não são as rugas, nem as dores ou a perda auditiva. Envelhecer assusta-me porque no dia em que eu for velha não terei comigo os mais velhos. Aqueles a quem sempre fiz questão de me juntar. Quando era criança gostava muito mais de professores do que de colegas, na família sempre gostei muito mais dos avós do que dos primos, continuo a preferir as tabernas aos bares e discotecas; o estado de espírito que me causa uma telefonia nunca será igualado pelos aparelhos futuristas da atualidade, nem a estória do e-book terá o odor da datilografia.
O meu medo da velhice é a ausência dos que me fazem sonhar.
O meu pai não gosta que eu fale disto, diz que o futuro sempre há de ser melhor que o passado e o saudosismo é uma treta inútil; mas eu não aprendi a peneirar sentimentos – ficam-me todos, aninhados como filhos prodígio de uma leitura de mundo.
Eu não quero envelhecer porque não vou ter quem me conte como é que a vida acontecia nos tempos rústicos. Tenho medo de um futuro sem estórias para contar, sem olhos nos olhos, sem água no poço, sem fornos a lenha ou máquinas de costura a gritar o som vivo do pedal. Sem relógios de parede. Sem senhoras de avental com amêndoas nos bolsos.
Se a humanidade de amanhã recuperar o que a minha geração os impediu de conhecer, talvez eu me anime para a velhice.
Será que algum dia os mais novos saberão ser velhos?
Ana Sofia Brito é performer e artista de rua por opção, embora também mantenha a arte de palco; frequentou o Chapitô e estudou teatro físico na Moveo, em Barcelona.