
Quarta Assembleia Sinodal do Caminho Sinodal, em Frankfurt: Sínodo proporcionou oportunidade única de reflexão. Foto © Synodaler Weg/Maximilian von Lachner.
O ano que terminou constituiu para toda a Igreja e, portanto, para a Igreja em Portugal, um momento extraordinário de mudança.
Pela primeira vez, de forma séria, os leigos foram chamados a pronunciarem-se sobre a vida da Igreja, nos aspectos positivos, nas experiências e práticas que vinham de trás, nos procedimentos, nos métodos de trabalho, nas dificuldades e nas medidas prospectivas para a sua acção.
Apesar dos aspectos positivos que os católicos observam e a Igreja evidencia, entre outros, reflectiu-se sobre:
– A linguagem desfasada do mundo actual, não encarnada na realidade;
– A catequese desadequada e desenrizada;
– Igreja envelhecida, fechada e sem uma verdadeira pastoral juvenil, incapaz de atrair e fidelizar os jovens;
– O abandono da prática religiosa pelos adultos, passando pelos jovens e incluindo as mulheres;
– A dificuldade no acolhimento a quem chega e aos que estão dentro;
– A prática deficiente da participação, da co-responsabilidade e sinodalidade;
– A pouca disponibilidade para acolher os mais marginalizados, como os recasados, os idosos e minorias, como os ciganos e outros grupos;
– O nível elevado de clericalização ainda existente na Igreja que mantém os leigos afastados dos métodos;
– A necessidade de se constituir como uma Igreja em escuta permanente, atenta aos problemas com que se debatem as diferentes sociedades;
– A prevalência da norma sobre a doutrina do Evangelho;
– O fim do celibato obrigatório dos sacerdotes;
– O menosprezo pelo papel das mulheres na Igreja;
– O enorme atraso na implementação da doutrina do Concílio Vaticano II.
Todos estes assuntos estiveram presentes ao longo das reuniões e das reflexões realizadas pelos mais diversos grupos, paroquiais, dos movimentos e todos os que, mesmo sem estarem integrados em quaisquer actividades eclesiais, se quiseram juntar, para dar cumprimento ao desejo do Papa Francisco de colocar os católicos de todo o mundo a reflectir sobre o momento que a Igreja vive e a tentativa de descoberta sobre quais os caminhos a seguir.
Infelizmente, a participação foi escassa, pois a maioria dos leigos católicos mantém-se afastada das preocupações sentidas pelos mais responsáveis, que têm formação para se sentirem com coragem para emitirem opiniões, num saudável exercício de comunhão eclesial.
Participei em dois grupos distintos: o da minha paróquia e o da Acção Católica Rural diocesana e fiquei muito feliz com o que observei nos participantes. Porém, apesar da ausência de participação da grande maioria dos leigos e até de muitos padres e religiosos, os que se disponibilizaram para darem o seu contributo acabaram por viver momentos muito especiais e apreciaram a abertura de muitos sacerdotes e da maioria dos bispos para serem escutados, facto que não tem sido prática corrente por parte de um elevado número dos clérigos.
Mas os diálogos disruptivos que foram encetados certamente trarão à Igreja novas perspectivas e uma abertura ao mundo que poderá vir a ser muito benéfica para a sua acção no seio das comunidades, no futuro.
Pela Europa fora e nomeadamente na Alemanha e Suíça, em diferentes dioceses e paróquias, a caminhada sinodal mantém-se viva, não parou.
Vão avançando algumas iniciativas, dando cumprimento às conclusões saídas das reflexões feitas durante a caminhada sinodal que se iniciou há dois anos.
Algumas ideias e práticas estão a ser estudadas, outras são contestadas por teólogos. Contudo, o caminho está a ser percorrido.
Por exemplo, em algumas dioceses da Suíça e da Alemanha, como o 7MARGENS noticiou recentemente, alguns leigos estão a ser autorizados a administrarem o baptismo, principalmente onde existe défice de sacerdotes e diáconos. Depois de uma preparação adequada, esses leigos e nomeadamente mulheres, procedem a tarefas que antes estavam reservadas aos clérigos.
Há riscos? Claro que nada está isento de erros e de riscos. Mas o caminho faz-se caminhando, como diz o poeta. Ficarmos parados é que não leva a lado nenhum.
Em Portugal, parece que tudo parou. Entregues as conclusões dos grupos, feitas as sínteses diocesanas, pouco ou nada se sabe sobre o relatório enviado para Roma. Talvez tenham procedido bem alguns grupos ao enviarem directamente para Roma os resultados das suas reflexões.
Do que nos foi dado observar, há muitas propostas que poderiam ir sendo implementadas, pois algumas até já vinham sendo objecto de experiências em algumas paróquias e dioceses.
Parece que o atavismo, o medo da mudança, o receio da perda de poder, a aparente suspeita em relação ao papel dos leigos na Igreja e talvez a pouca crença nas capacidades dos leigos estão a fazer com que, aparentemente, tudo esteja parado. Espera-se pelas ordens vindas de Roma? Será isso que quer o Papa Francisco? Será essa vontade do Espírito Santo?
Deixo as perguntas e a provocação.
António Caseiro Marques é advogado e dirigente da Acção Católica Rural