Terra Justa em Fafe: “Trabalhar ao domingo não é normal e não faz sentido”.

| 4 Abr 19

Formação multidisciplinar, ver o mundo, aprender com a vida e ser proativo,  exigências do mercado de trabalho no futuro.

A antiga ministra Helena André, em representação da OIT, colocando a sua mensagem no “Mural das Causas”, acompanhada pelo presidente da Câmara de Fafe, Raul Cunha. (Na foto de abertura, Helena André abrindo uma das portas do “Caminho das Causas”, exposição de rua do Terra Justa. Fotografias © Manuel Meira

 

O Papa Francisco foi citado na homenagem à Organização Internacional do Trabalho, esta quarta-feira, 3 de Abril, no início da edição 2019 do Terra Justa – Encontro Internacional de Causas e Valores da Humanidade 2019. “Vocês não trabalham só com ideias, mas com a realidade, têm os pés na lama e as mãos na carne.” As palavras de Francisco, da mensagem enviada, em 2014, ao Encontro Mundial dos Movimentos Populares, foram aplicadas ao fórum tripartido da Organização Internacional do Trabalho (OIT, que reúne representantes governamentais, dos empregadores e dos trabalhadores), presente na homenagem realizada no Teatro-Cinema de Fafe. 

Carlos Silva, secretário-geral da União Geral de Trabalhadores (UGT), relacionou o papel da OIT com os princípios basilares da doutrina social da Igreja, sublinhando que “o caminho do diálogo social não é fácil”, mas pretende encontrar “denominadores comuns e compromissos”. É por via desta plataforma, colocando em pé de igualdade os parceiros, que pode fazer-se “o confronto de ideias”, acrescentou Arménio Carlos, secretário-geral da CGTP (Confederação Geral dos Trabalhadores Portugueses).

O líder desta central sindical avisou para a tentação de limitar os direitos sindicais, “amputando a democracia participativa”, denunciou a existência ainda de trabalho escravo na Europa, realçou que a regulação e a formação são imprescindíveis para enfrentar a evolução tecnológica e defendeu a reabilitação do domingo como dia primordial de descanso. À exceção dos serviços essenciais, “trabalhar ao domingo não é normal e não faz sentido”, disse Arménio Carlos, reforçando apelo idêntico do representante da Confederação do Comércio de Portugal (CCP), Domingos Barbosa.

O futuro do trabalho é uma das prioridades na reflexão proposta pela OIT, a assinalar o centenário da sua criação. Helena André, diretora executiva do departamento da OIT para as atividades dos trabalhadores da OIT, em representação do presidente da organização, sublinhou que as “desigualdades estão a aumentar com novas formas de trabalho precário”, por via, por exemplo, das plataformas digitais. E deixou duas perguntas ainda à espera de resposta: “Como garantir a proteção dos trabalhadores ‘invisíveis’, que estão numa ‘nuvem’? Como complementar o trabalho humano com as novas tecnologias e a robotização?” Este é “o equilíbrio a fazer”, concluiu, “com capacidade de diálogo para encontrar novas formas de governança no trabalho”.

A OIT é o organismo criado em 1919, que integra o sistema das Nações Unidas, que se dedica a promover estratégias e reflexão sobre o trabalho decente e seguro, equidade, justiça, desenvolvimento social e superação da pobreza, para aplicação nos países membros. 

 

As vítimas maiores da globalização

A “Conversa de Café” sobre “o futuro e os desafios do trabalho”. Foto © Manuel Meira

 

Numa das Conversa de Café, um dos modelos de debate do Terra Justa, do qual o 7MARGENS é parceiro, o sindicalista José Cordeiro alertou para a pressão sobre a Segurança Social, sujeita a um “ataque desenfreado capitalista para que passe para mãos privadas e deixe a gestão pública”. A globalização é “imperfeita e faz-se atingindo mais os trabalhadores do que os empregadores”, reconheceu Miguel Costa, da Autoridade para as Condições de Trabalho. Já para José Carlos Caldeira, administrador do INESC-TEC (Instituto de Engenharia de Sistemas e Computadores, Tecnologia e Ciência) e ex-presidente da Agência Portuguesa de Inovação, “globalmente ninguém sabe dizer se vai haver mais ou menos empregos no futuro”.

A digitalização é um desafio, mas Caldeira antecipa que vai também “criar mais e novos empregos, pelo que a sociedade civil e os estados têm de agir para capturar esses empregos” em regime de concorrência, pois há sectores de trabalho que “vão desaparecer, mas outros vão ser criados”. E se “houve sempre muito medo das revoluções tecnológicas”, como lembrou José Cordeiro, “com dificuldade de adaptação aos novos trabalhos” é necessário adoptar estratégias para enfrentar o futuro ainda imprevisível, como a formação profissional e a resiliência da protecção social.

Na resposta a alguns jovens que participaram na Conversa de Café, José Carlos Caldeira apontou quatro “apostas” a fazer pelas novas gerações: “Formação multidisciplinar, rompendo modelos segmentados; ver e conhecer mundo, criando redes de relacionamento para conhecer todas as possibilidades do mercado global; estar disponível para a aprendizagem da vida; ser proactivo para conquistar espaço, arriscar e não desmotivar à primeira dificuldade”.

Num encontro com alunos da Escola Secundária de Fafe, sob o mote da pergunta “estudar para quê?”, frei Fernando Ventura, frade franciscano capuchinho, apelou à disponibilidade da escola para provocar o pensamento, abrindo espaço à experiência relacional. A escola não é para fazer “doutores e engenheiros”, mas antes “homens e mulheres livres, capazes de construir relações em igualdade, sem penachos ou títulos, qualquer que seja a função social a desempenhar”. 

Paulo Mendes Pinto, professor na Universidade Lusófona, entidade promotora desta iniciativa na escola, sugeriu que o ensino deve avançar de forma mais interdisciplinar, favorecendo o cruzamento de saberes: “Um bom engenheiro é melhor engenheiro se souber também história, filosofia ou até teologia” e a formação académica base tende a ser menos determinante na escolha da profissão futura, defendeu.  

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