Cheguei a Maputo e subi a Nampula. Este país é muito comprido, do Rovuma (fronteira com a Tanzânia) ao Maputo (fronteira com a África do Sul). São mais de três mil quilómetros de Oceano Índico, estando a capital no canto oposto de Cabo Delgado, a província onde grupos terroristas acharam por bem tomar de assalto ou, pelo menos, transformar em terra de pânico semeada. Visitei diversas missões e escolas. Participei no Capítulo dos Espiritanos realizado no Centro Catequético da Carapira. Encontrei-me com os bispos de Nampula e Nacala. Estive no Jubileu dos 25 anos da chegada dos Espiritanos à Missão de Netia. Visitei a Ilha de Moçambique.
Ciclones e terrorismo

O ciclone Gombe destruiu muitas casas, destelhou edifícios oficiais, arrancou muitas árvores e arrasou áreas cultivadas. Foto © Tony Neves.
O povo do Norte está a ser vítima de ataques terroristas. Além das mortes e destruições, esta vaga de atentados obrigou as pessoas a abandonar as suas aldeias e a fugir para áreas mais seguras. Assim, Nampula e Nacala acolheram milhares de pessoas. Muitas foram acolhidas nas famílias e amigos, mas há milhares em centros de acolhimento, muitos deles criados e apoiados pela Igreja. Na visita que fiz a D. Inácio Saúre, arcebispo de Nampula, ele partilhou a extrema preocupação pelo que se passa mais a norte, e confirmou que a Arquidiocese está a apoiar cerca de sete mil pessoas deslocadas. D. Alberto Vera, bispo de Nacala, mostrou a mesma preocupação e ambos receiam que os ataques cheguem às comunidades das suas dioceses.
Além da covid-19, que paralisou tudo e todos, há ainda a salientar o impacto muito negativo das frequentes passagens dos ciclones. Depois do Idaí e do Keneth que, em 2019, arrasaram a Beira e Cabo Delgado, chegou o Gombe, em Março deste ano. Passou em grande velocidade pelo corredor Nampula-Nacala, destruiu muitas casas, destelhou edifícios oficiais, arrancou muitas árvores e arrasou áreas cultivadas. Pude ver muitos dos efeitos deste ciclone, ainda evidentes três meses depois do terror que semeou. Uma das áreas mais afectadas foi Monapo. O padre Jinzhou, chinês dos Missionários do Verbo Divino, partilhou os momentos de terror que viveu aquando da passagem do ciclone, mostrou-me os edifícios ainda destelhados de escolas e espaços de governo local, franzindo o rosto ao falar de aldeias onde diversas pessoas morreram à passagem do Gombe.
O desafio da Educação

Na área de Itoculo, a missão apostou na construção e direcção de lares para rapazes e meninas que vêm das aldeias do interior para as escolas na vila. Foto © Tony Neves.
O padre Alberto Tchindemba, angolano, chegou a Moçambique há 25 anos. É o superior dos Espiritanos, pároco de S. João de Deus, nas periferias pobres e abandonadas de Nampula. Dirige ali duas escolas e um infantário. Acompanhei-o nestas visitas e pude perceber como é desafiante o mundo da educação quando os meios faltam e as portas do futuro não se abrem para quem estuda. São muitas as centenas de crianças e jovens que se inscrevem, ano após ano, nestas escolas da paróquia, onde os professores não podem faltar e os alunos são acompanhados.
Na área de Itoculo, já na Diocese de Nacala, a missão apostou na construção e direcção de lares para rapazes e meninas que vêm das aldeias do interior para as escolas na vila. Ali encontram um espaço acolhedor com boas condições de habitação e uma biblioteca. Cristina Fontes, voluntária espiritana portuguesa, está ali há cinco anos e reconhece que os lares são decisivos para que estes jovens possam ter escola. Está convencida de que, sem uma educação de qualidade, não há futuro nem para as pessoas nem para o país.
Chegado há dois anos e travado pela pandemia, o padre Mário João Soares, da Diocese do Porto, lançou o Projecto Mais. Preparou cinco mil e tal sacos com um caderno, um lápis, uma caneta, uma borracha e uma afiadeira, para distribuir pelas crianças da 1ª classe das 37 escolas primárias de Itoculo. Em 2020, havia cerca de 5500 crianças! Só no final de 2021 puderam começar a distribuir. Diz: “O problema escolar mais grave é o abandono, por causa do absentismo dos professores.” Recorda que há turmas com perto de 200 alunos! E, conclui: “Pena é que, na 8ª classe, sobram apenas uns 250…”
Outro investimento da Missão de Itoculo é no Projecto das Escolinhas. Há 48 em outras tantas comunidades de interior. Cada uma tem, no máximo, 35 crianças. Diz o padre Raul Viana, superior da Missão: “Os monitores são animadores comunitários, voluntários, que participaram nas formações da comunidade. O grande objectivo é motivar e incentivar a entrada na Primária. Há comunidades onde a taxa de inscrição se aproximou dos 100%.” Mas, como dizia o padre Mário Soares, a taxa de inscrição nas escolas, nos meios rurais da província de Nampula, não chega aos 50%!
Cristina Fontes falou ainda dos seis grupos de alfabetização de adultos. Estão a encontrar dificuldades de credenciar este projecto, porque a atribuição de um diploma depende do Governo. Esta professora de Fiães (Santa Maria da Feira) partilhou ainda o projecto de apadrinhamento de estudantes que concluem o 10º ou 12º anos e querem continuar a estudar. Foram atribuídas diversas bolsas para cursos profissionais em construção civil, mecânica automóvel, contabilidade e secretariado.
As Irmãs Espiritanas, em Itoculo, dirigem o lar feminino e têm um centro de nutrição para crianças e uma creche.
Espiritanos em Capítulo

Celebração jubilar, realizada na missão de Netia, onde os Espiritanos chegaram há 25 anos. Foto © Tony Neves.
O Centro Catequético de Carapira, construído pela família comboniana, acolheu o III Capítulo dos Espiritanos em Moçambique. Participou o padre Alain Mayama, superior geral da congregação, que se quis associar à celebração dos 25 anos da chegada dos Espiritanos a este país. Nas decisões finais, os Missionários confirmaram a sua vontade de continuar a missão em áreas pobres, seja no interior das províncias, seja nas periferias de grandes cidades. O capítulo encerrou com a celebração jubilar, realizada na missão de Netia, lá onde os Espiritanos chegaram há 25 anos.
É verdade que toda a Igreja se empenhou na assistência humanitária às vítimas do ciclone Gombe, com a distribuição de alimentos e materiais de construção para as casas. E também abre braços e corações para acolher os deslocados de Cabo Delgado. Mas a grande aposta na construção de um futuro melhor passará por projectos de desenvolvimento e por mais e melhor educação integral.
Tony Neves, no corredor Nampula-Nacala.