
A redação do jornal israelita Haaretz. Foto: Deror Avi, CC BY-SA 4.0 / Wikimedia Commons
“Gaza não tem solução militar e a Operação Guardião das Muralhas não vai alterar isso. Deve ser interrompida imediatamente”. Era deste modo que terminava um editorial desta quarta-feira, 19, do jornal israelita Haaretz, na véspera do anúncio de um cessar-fogo para entrar em vigor na madrugada desta sexta-feira.
Do lado palestiniano contavam-se nesta quinta-feira pelo menos 227 mortos, entre os quais 64 crianças e adolescentes e 37 mulheres, e perto de 1400 feridos, metade dos quais mulheres e crianças. Em vários casos foram famílias inteiras a serem mortas, quando os mísseis fizeram desabar os apartamentos em que viviam – o último caso foi o do casal Eayd e Amani Salba, ambos com 33 anos, e da sua filha (e mais um bebé a caminho), cuja casa foi atingida por um míssil quando se preparavam para almoçar, conforme relatou a Al-Jazeera.
Em hospitais que se encontravam já, antes da eclosão deste conflito, congestionados com doentes de covid, não é difícil imaginar o caos que conhecerão atualmente. Os 13 mortos do lado de Israel, incluindo uma criança de 5 anos, em resultado dos foguetes lançados pelo Hamas, mostra bem a desproporção daquilo que o Governo israelita continua a designar como uma “guerra”. De qualquer modo, como também reconhecia o Haaretz, “em Israel, a vida de metade do país foi completamente abalada, com muitos a viver um medo constante”.
O editorial do jornal, significativamente intitulado “Basta!”, considera que as destruições, caso prossigam por mais alguns dias, aumentando o número de mortos e de feridos, funcionarão ainda mais contra os interesses de Israel, porque só vão “semear mais medo, ódio, humilhação e desejo de vingança”.
Israel não deveria esticar a corda até a comunidade internacional tomar decisões mais duras ou até os Estados Unidos forçarem a tal. Deveria interromper já as operações “por causa da terrível dor e sofrimento que está a causar a milhões de pessoas”, adverte o editorialista.
Sem pretender justificar ou desculpar os foguetes disparados pelo Hamas contra a população civil, o jornal considera que foram cometidos vários erros, do lado israelita, nomeadamente “provocações violentas e desnecessárias em Jerusalém Oriental – [no bairro] Xeque Jarrah, na Porta de Damasco e na Mesquita de Al-Aqsa”. A continuação da violência seria outro desses erros.
O texto termina, aduzindo ainda um argumento para justificar a posição de que este conflito não teria nunca solução militar: “Os comandantes do Hamas e da Jihad Islâmica que Israel matou serão substituídos por outros e as capacidades militares de ambos os lados serão reabilitadas rapidamente e acabarão por ser mais sofisticadas e letais do que antes, como aconteceu depois de todas as outras operações em Gaza.”
“Sem ir à raiz, conflitos voltarão”
Uma leitura da situação com alguma proximidade com a do Haaretz é também proposta pelo patriarca latino de Jerusalém, Pierbattista Pizzaballa, em declarações ao site AsiaNews – numa altura em que a Igreja se prepara para uma vigília de oração pela “Paz, justiça e perdão para curar as feridas da Terra Santa”, que terá lugar neste sábado, 22.
“A guerra entre Israel e o Hamas não é nova, infelizmente, e não levará a nenhuma conclusão, senão a outros escombros e mortes”, afirma Pizzaballa. A novidade está nas “tensões e inquietações internas” do próprio Israel, que são o “sinal de uma profunda inquietação” que se vinha a configurar há algum tempo e que agora está a vir à superfície.
“Há um problema – explica ele – de identidade dentro do Estado judeu, ao qual se junta a questão de Jerusalém e do elemento religioso.” A linguagem e os discursos marcados pela “violência” de alguns “partidos de direita” representaram “a faísca que finalmente pegou fogo ao rastilho” do conflito, alimentado por uma “mistura já explosiva”.
“A guerra em Gaza hoje em dia é como as outras guerras do passado, e ainda haverá outras no futuro se a raiz dos problemas não for resolvida”, avisa o patriarca Pizzaballa. “Entre eles – continua ele – está a questão do povo palestiniano”, que deve ser acompanhada por um “diálogo respeitoso entre as partes”, que até agora falhou. Além disso, os governos que se alternaram nos últimos anos à frente do Estado de Israel “não deram uma contribuição” na perspetiva da paz, do diálogo e da distensão entre as partes. Pelo contrário, o primeiro-ministro interino Benjamin Netanyahu parece emergir fortalecido da crise militar, já que uma nova coligação parlamentar parecia prestes a destituí-lo do cargo.
(Texto atualizado ás 23h00 de dia 20, com a notícia sobre o anúncio do cessar-fogo)