Texto da Santa Sé sobre paróquias mina o Caminho Sinodal da Alemanha mas também o do Papa, criticam bispos alemães

| 29 Jul 20

Imagem da página oficial da Conferência Episcopal Alemã sobre o “Caminho Sinodal”: o documento quer reorientar o que os católicos da Alemanha andam a debater.

 

Interferência, frustração, um texto que faz mais mal do que bem, travão. Na Alemanha, entre algumas vozes a favor, as críticas à instrução sobre as paróquias, do Vaticano, não pouparam nas palavras: vários bispos e responsáveis leigos sentiram o texto como visando precisamente as experiências que estão a ser tentadas no país, de modo a tentar estancar a hemorragia de crentes.

 

Chegaram de vários bispos algumas das críticas mais duras ao documento “A conversão pastoral da comunidade paroquial a serviço da missão evangelizadora da Igreja”, publicado dia 20 pela Congregação para o Clero (CC). O cardeal Reinhard Marx, arcebispo de Munique e Freising, ex-presidente da Conferência Episcopal e uma das personalidades de mais prestígio da Igreja alemã, contesta a oportunidade do documento, que “nunca” foi debatido com os bispos. “Será esta a coexistência de Igrejas universais e particulares que se desejaria? Nem por isso”, disse, avisando com as clivagens e tensões a que conduzem textos como este.

Ler os sinais dos tempos requer “capacidade de escuta” e “compreensão: só podemos compreender se nos ouvirmos uns aos outros e caminharmos juntos”, insistiu Marx, que integra também o restrito grupo de conselheiros do Papa, o C-6. Por isso, é preciso que o Vaticano também ouça as igrejas locais – algo que “falta no documento” em causa, diz, citado pelo Novena News. Além do mais, o texto “mina o desejo frequentemente repetido pelo Papa Francisco de uma Igreja sinodal”.

Não é casual a torrente de reacções: a Igreja Católica, na Alemanha, está a viver desde há meses um Caminho Sinodal em que vários temas que esta instrução trata estão a ser debatidos: lugar dos leigos, estruturas eclesiásticas, papel das mulheres são alguns deles. Por isso, os responsáveis católicos alemães sentiram o documento como sendo um “travão” ao debate e à tentativa de encontrar soluções novas que já estão em curso, como o 7MARGENS tem noticiado.

Vários outros bispos não pouparam nas palavras: o de Mogúncia (Mainz), Peter Kohlgraf, diz que não pode aceitar a “interferência” na sua missão. “Muitos padres queixam-se de estarem sobrecarregados com a administração e a burocracia. Segundo a instrução, porém, é precisamente isto que os padres devem fazer”, acusou.

Já os leigos podem sentir-se frustrados, critica ainda, para lembrar, numa outra notícia do Novena: “Eu preciso destas pessoas; a sociedade precisa do seu testemunho de fé. E ouço cada vez mais que não há qualquer motivação para aderir a uma Igreja que aparece desta forma. Não posso e não vou deixar que o empenho pastoral destas pessoas me seja retirado.”

 

“Teria sido melhor não publicar”

Sessão final da primeira assembleia do Caminho Sinodal da Igreja na Alemanha: os bispos não vêem alternativas ao modelo de colegialidade que têm tentado em várias dioceses e a nível nacional. Foto: Direitos reservados

 

O arcebispo de Bamberg foi mais longe: “Teria sido melhor não publicar esta instrução desta forma, porque faz mais mal do que bem à comunhão da Igreja”, criticou. A razão para publicar agora este documento “não é clara em parte alguma: nem a ocasião nem o propósito e o texto é “teologicamente deficiente”, porque o sentido eclesial do ministério dos padres não é tratado.

Gebhard Fürst, bispo de Rotemburgo-Estugarda, acrescentou, aos argumentos dos colegas, que ainda não vê alternativa à corresponsabilidade leigo-clérigo nas paróquias. Na sua diocese, há uma “forte participação dos leigos em todos os órgãos até ao conselho diocesano”, que é “uma grande vantagem para a Igreja local” e “uma clara consequência do Concílio Vaticano II”.

Também o bispo Franz-Josef Bode, de Osnabrück, vice-presidente da Conferência Episcopal, olha para o texto como um “forte travão à motivação e apreciação dos serviços dos leigos” e como uma “conversão à clericalização”.

“Receio que as normas, por mais vinculativas que sejam, não serão eficazes se estiverem em grande medida ultrapassadas pela realidade”, acrescentou o bispo, defendendo os novos “modelos de liderança” que tem introduzido na diocese e que implicam colocar leigos como responsáveis.

O bispo de Trier, Stephan Ackermann, manifestou-se “irritado” por não haver qualquer referência ao tema dos abusos sexuais no texto. “Não há consciência de que as paróquias foram e podem ser lugares de violência sexual”, lamentou. “Como pode uma congregação encarregada do clero escrever um documento em 2020 que nem sequer lhe faz referência? Isso incomoda-me”, afirmou, acrescentando que tão pouco reconhece na instrução a preocupação pelo tema da sinodalidade e da Igreja local.

O presidente do Conselho Diocesano de Católicos de Berlim, Bernd Streich, considerou que, ao contrário da visão do documento, “os leigos são mais do que simples conselheiros: eles asseguram a vida da Igreja e anunciam a boa nova através do seu testemunho”.

Em declarações ao katholisch.de, o site noticioso da Conferência Episcopal Alemã, citadas pelo Novena News, Streich acrescenta que tem havido uma “cooperação carismática entre leigos e clero em muitas paróquias e comunidades”, o que o documento não reconhece. O vigário geral da diocese de Speyer, Andreas Sturm, também critica a CC pela falta de apoio às “tentativas de encontrar novas formas de assistência pastoral”. A corresponsabilidade dos leigos “não é uma ameaça, mas uma oportunidade para as paróquias e também para os padres”, acrescenta.

O Novena News nota que o tom do documento pode “causar uma frustração generalizada” entre os católicos do país, que estão no meio do Caminho Sinodal, o processo de debates sobre a reforma da Igreja Católica.

 

Os críticos não entenderam, acusa Kasper

Walter Kasper

Walter Kasper: críticos ignoraram principal objectivo do documento, diz o cardeal. Foto ©  CTV/Wikimedia Commons

Do lado oposto, o arcebispo de Colónia, cardeal Rainer Maria Woelki, pensa que o texto apresenta “muitas sugestões para um despertar missionário da Igreja” e lembra “verdades fundamentais da fé. “Não somos nós que ‘fazemos’ a Igreja, e também não é a ‘nossa’ Igreja, mas a Igreja de Jesus Cristo” e o documento encoraja a “confiar inteiramente em Cristo para se tornar novamente uma Igreja missionária”, afirmou, citado pela Catholic News Agency. Quer Woelki, quer o bispo de Augsburgo, Bertram Meier, sublinharam o foco mais “espiritual” que estrutural das reformas propostas pela instrução.

Já Walter Kasper, cardeal muito próximo do Papa Francisco e que presidiu ao Conselho Pontifício para a Unidade dos Cristãos, defende o documento com o argumento de que os críticos “ignoram o principal objectivo” da instrução pastoral: a conversão pastoral a um caminho missionário.

Para Kasper, o texto é importante porque a discussão sobre o celibato, ordenação de mulheres e outros temas leva, independentemente da resposta que se lhes dê, a que “nenhum jovem sabe mais no que está envolvido quando decide prosseguir a vocação sacerdotal”. E é preciso, defende, recriar “um clima de aceitação, reconhecimento, significado e beleza da vocação sacerdotal nas paróquias”, sob penas de tornar inúteis as restantes reformas.

O cardeal destaca ainda como positivo o facto de ele “impedir o autoritarismo clerical”, já que estabelece critérios para nomeações e procedimentos que não devem ser deixados à discrição de cada bispo. Mesmo assim, Walter Kasper considera que teria sido melhor se a Congregação do Clero “tivesse consultado os presidentes das conferências episcopais do mundo” antes de publicar o texto e se este tivesse uma linguagem “mais positiva, encorajadora e grata” sobre os leigos e o seu papel muitas vezes decisivo para as paróquias em tantas situações difíceis.

 

Vaticano vive numa “bolha patriarcal”

O texto, que também já mereceu críticas em Portugal, foi igualmente condenado pelo movimento internacional Nós Somos Igreja (NSI), para o qual a instrução “confirma que o Vaticano está a viver numa bolha patriarcal” e que não é senão “uma tentativa de reafirmar a autoridade clerical masculina e a subordinação leiga (especialmente feminina)”.

Num comunicado enviado ao 7MARGENS, o NSI acrescenta que “o mais decepcionante” é que o Papa Francisco parece querer ter duas coisas ao mesmo tempo: “Ele tem falado repetidamente da necessidade de remover o mal do clericalismo da nossa igreja. No entanto, aprovou esta nova instrução, que procura reforçar um clericalismo rígido do século passado. Após sete anos no cargo, quando se levantará o verdadeiro Papa Francisco? Talvez abolisse a Congregação do Clero, cujo papel principal parece ser o de promover o clericalismo?”

O comunicado acrescenta que a mudança “não está a acontecer no Vaticano”, mas “em todo o mundo, onde os leigos e especialmente as mulheres lideram as suas comunidades”. E dá exemplos: “Eles são os evangelizadores que mantêm viva a mensagem de amor de Cristo no mundo dividido de hoje. Estão a liderar liturgias e eucaristias domésticas e eucaristias” transmitidas em vídeo. São pessoas que “compreendem a lei do amor”, enquanto o Vaticano se apega “ao amor da lei”. E conclui: “A mudança está a vir de baixo com o Espírito Santo presente no povo de Deus.”

 

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