Um dos mais influentes pensadores do século XX, o alemão Theodor W. Adorno, que durante a II Guerra Mundial se tinha refugiado nos Estados Unidos da América para escapar ao nazismo, analisou numa palestra, que decorreu no dia 6 de Abril de 1967, na Universidade de Viena, os “aspectos do novo radicalismo de direita”. Publicada em Portugal no início deste ano pelas Edições 70, com tradução de Marian Toldy e Teresa Toldy, a intervenção, como recorda Volker Weiß no posfácio, reflecte sobre a ascensão, na República Federal da Alemanha, do Partido Nacional-Democrático da Alemanha (NPD), fundado em 1964.
O recurso à mentira é um dos expedientes usados pelo “novo radicalismo de direita”. Theodor W. Adorno refere dois modos de mentir. Um consiste em fazer uma afirmação falsa acrescentando-lhe uma manifestação de estranheza se se der o caso de o interlocutor afirmar desconhecer o que foi dito. “O quê? Todas as crianças o sabem. E o senhor não sabe que no seu tempo o rabi Nussbaum exigiu a castração de todos os alemães?” O filósofo e sociólogo afirma ter acabado de inventar o exemplo, “mas os argumentos são deste género”. Theodor W. Adorno explica depois em que consiste o procedimento: “Apresentam-se informações difíceis de comprovar, mas que, por ser impossível verificá-las, conferem àquele que as apresenta uma autoridade especial”. Noutras ocasiões, há um recurso à “mentira grosseira” e reiterada. A análise incide nos mecanismos das mentiras mais toscas e das mais sofisticadas.
Theodor W. Adorno chama também a atenção para a propaganda, que considera servir menos a difusão ideológica do que o envolvimento das massas. “A propaganda é sobretudo uma técnica de psicologia de massas”, instadas a mobilizar-se em torno de uma “personalidade autoritária”.
A intervenção de Theodor W. Adorno termina com uma consideração particularmente pertinente. A partir de uma hipotética interrogação: “Talvez haja alguns entre vós que me perguntarão ou me perguntariam o que penso sobre o futuro do radicalismo de direita”, explica: “Considero esta questão errada, porque é demasiado contemplativa. Este tipo de pensamento, que vê tais coisas a priori como catástrofes naturais sobre as quais se fazem previsões, como sobre tornados ou catástrofes meteorológicas, implica já uma espécie de resignação que, no fundo, elimina a própria pessoa enquanto sujeito político. Este pensamento corresponde a uma péssima relação de espectador com a realidade. Em última instância, a evolução destas coisas depende de nós. É da nossa responsabilidade.”
O futuro não se apresenta embalado à espera de apenas ser desembrulhado. O professor Theodor W. Adorno, todavia, não quis oferecer conselhos práticos sobre como agir, porque isso prejudicaria o seu trabalho intelectual, dirá ele, três meses antes de morrer, numa entrevista concedida à revista Der Spiegel de 5 de Maio de 1969. Nela constata que, ao longo dos tempos, houve inúmeras obras que, tendo apenas propósitos teóricos, contribuíram para modificar a consciência e, por isso, também mudaram a sociedade.

Atacado pelos radicais de direita, Theodor W. Adorno foi incompreendido pelos radicais de esquerda, que lhe exigiam mais do que teoria; queriam um apoio concreto, designadamente para acções violentas. Por não se dispor a concedê-lo, começou a ser intimidado. Em 1969, um grupo de estudantes esquerdistas boicotou-lhe as aulas. A circunstância de ser um professor de esquerda não o impediu. Não se registou violência física, mas os tumultos tornaram impossível que as aulas pudessem prosseguir, contou o professor à revista alemã. Não se manifestando fisicamente, a brutalidade apresentou-se sob outra forma: a humilhação. As fotografias de alunas a exibirem os seios nus perante o professor durante uma aula no Instituto de Investigação Social da Universidade de Frankfurt, no dia 22 de Abril, ficaram famosas. Ser perseguido por alunos seus, e por aqueles de quem esperava proximidade ou, pelo menos, respeito, contribuiu para que, pouco depois, no dia 6 de Agosto, o coração também o atraiçoasse.
Na derradeira e amarga entrevista, Theodor W. Adorno enfatizou a sua posição intransigente contra a violência, assegurando que teria de renegar toda a sua vida – a experiência sob Hitler, que o forçou ao exílio, e o que soube sobre o estalinismo – se não se recusasse a participar no eterno circuito da violência contra a violência. O professor apenas concebia uma prática transformadora dotada de sentido na condição de ela ser não-violenta.
Aspetos do Novo Radicalismo de Direita, de Theodor W. Adorno
Edições 70, 86 pág.