
Fronteira Indonésia Timor-Leste: o seu encerramento foi uma das medidas tomadas para conter o avanço da pandemia. Foto: Wikimedia Commons
Dez meses depois do início da pandemia, Timor-Leste é dos poucos países do mundo onde não registo de mortes por covid-19, com o número de casos, até ao passado dia 5 de Janeiro, a chegar aos 46. Ao contrário, na vizinha e poderosa Indonésia, que foi potência ocupante de Timor entre 1975 e 1999, o novo coronavírus já provocou mais de 772.000 casos e quase 23.000 mortes.
Estes números resultam de uma abordagem multifacetada, explica a UCA News: desde o início de Março de 2020, além de ter decretado o estado de emergência, o país cortou os laços com o mundo exterior e proibiu todos os voos comerciais internacionais, com excepção de algumas transportadoras de repatriamento.
Ao mesmo tempo, fechou as fronteiras terrestres com a outra metade da ilha (Timor Indonésio), permitindo a abertura de 17 em 17 dias para um máximo de 200 travessias de cada vez; todas as mercadorias eram desinfectadas e era aplicada uma quarentena obrigatória de duas semanas às pessoas que entram no país; as pessoas nas zonas fronteiriças autorizaram o Governo a utilizar as suas casas como instalações de quarentena. Agora, a fronteira está a ser aberta uma vez por semana, com medidas rigorosas de controlo fronteiriço, incluindo testes e quarentena.
De acordo com a mesma fonte, houve um conjunto de medidas rápidas e decisivas por parte do Governo de Taur Matan Ruak, mas também dos responsáveis eclesiásticos e de várias organizações não-governamentais, cuja cooperação contribuiu para o combate eficaz à pandemia.
Logo após o primeiro caso de covid-19 ter sido diagnosticado num cidadão que regressara de uma viagem ao estrangeiro, a 21 de Março, o arcebispo de Díli, Virgílio do Carmo da Silva, ordenou a suspensão das celebrações públicas e das actividades eclesiásticas. Ao mesmo tempo, o uso de água benta, o toque em imagens e o contacto físico entre pessoas nas igrejas, foi também desaconselhado, quer na diocese de Díli, quer nas de Baucau e Maliana, as outras duas daquele país lusófono asiático, onde 95% da população se considera católica.
Dinheiro da Igreja “desviado” para apoio aos mais pobres
O gesto mais importante, no entanto, terá sido o de redirecionar, para apoio a pessoas mais atingidas pelos efeitos da pandemia e do seu combate, verbas doadas pela Igreja da Coreia do Sul. Esse dinheiro era para construir uma nova nunciatura e foi destinado pelo bispo de Díli à ajuda na luta contra a pandemia, como noticiou a agência Fides, do Vaticano.
Virgílio da Silva referiu-se às diferentes medidas tomadas como um acto de solidariedade com a Igreja universal e o Papa Francisco, que anunciou em meados de Março que o Vaticano celebraria a Páscoa sem a presença dos fiéis.
Além disso, a Igreja Católica criou um grupo pastoral composto por padres, religiosos e leigos para aconselhamento espiritual. E vários grupos católicos, além da Cáritas, mobilizaram-se para tentar apoio os mais pobres e mais desfavorecidos, num país onde 40 por cento dos 1,3 milhões de habitantes estão classificados como pobres – o rendimento nacional per capita é ligeiramente superior a 1.500 dólares.
Também várias organizações não governamentais e empresas do sector privado se mobilizaram, relata ainda a UCA News, para oferecer às pessoas arroz, ovos e sabão, entre outras coisas.
O Governo, por seu lado, atribuiu um subsídio mensal de 100 dólares (cerca de 82 euros) às famílias com rendimentos mensais inferiores a 500 dólares (410 euros).
A nível político, aliás, o combate à pandemia permitiu um consenso raro entre partidos políticos que se têm enfrentado com veemência. O Presidente da República, Francisco Guterres, foi autorizado a declarar o estado de emergência entre o final de Março e Junho, e os vários rivais políticos aceitaram cortar direitos políticos e constitucionais em nome do combate à pandemia.
O Governo criou também um Centro Integrado de Gestão de Crise, destinado a coordenar os esforços de combate à pandemia por parte do Estado. Mas foi ao nível do sistema de saúde do país, muito incipiente, que também se verificaram progressos importantes, nota ainda a UCA News: no início, o país nem sequer tinha capacidade para analisar os testes, que tinham de ser enviados para a Austrália, implicando quatro dias até saber os resultados. Agora, não só essa capacidade já está instalada, como mais de 16.400 pessoas já foram testadas – um número limitado, mas, como ficou dito, o número de casos não é grande.
Por outro lado, havia um único ventilador, no hospital nacional em Díli, um exemplo de como o país estava mal apetrechado ao nível dos equipamentos de saúde.
O restante quadro social e político do país não é muito melhor: pobreza endémica, administração pública muito ineficiente, políticas voláteis, muitos projectos de desenvolvimento dependentes em grande parte da ajuda estrangeira – Timor é a 20ª nação do mundo com mais dependência de ajuda. E, apesar desse facto, foi possível financiar o apoio a famílias mais pobres ou com mais baixos rendimentos.
Uma forma de aprender, conclui o articulista Rock Ronaldo Rozario, que seria possível, com a cooperação entre toda a sociedade, “derrotar outros males como a pobreza, a corrupção, o desemprego e a instabilidade política da vida nacional”.