
O Papa Francisco fez o seu primeiro discurso durante o encontro com as autoridades, a sociedade civil e o corpo diplomático, que decorreu no jardim do Palácio da Nação, em Kinshasa. Foto © Vatican Media.
“Tirem as mãos da República Democrática do Congo, tirem as mãos da África! Chega de sufocar a África!” O grito é do Papa Francisco que, no seu primeiro discurso depois de chegar à República Democrática do Congo (RDC), na tarde desta terça-feira, 31 de Janeiro, afirmou que África “não é uma mina para explorar, nem uma terra para saquear”.
“Que a África seja protagonista do seu destino! Que o mundo recorde os desastres perpetrados ao longo dos séculos em prejuízo das populações locais, e não esqueça este país e este continente”, afirmou, no seu encontro com as autoridades, a sociedade civil e o corpo diplomático, que decorreu no jardim do Palácio da Nação, em Kinshasa, a capital do país.
E acrescentou: “Que a África, sorriso e esperança do mundo, conte mais: fale-se mais sobre ela, tenha mais peso e representatividade entre as Nações!”
Francisco, que foi várias vezes interrompido por aplausos, lamentou ainda que o resto do mundo se tenha “resignado” à violência que há anos assola a RDC e à delapidação dos recursos africanos que é feita: “O veneno da ganância tornou os vossso diamantes ensanguentados. É um drama face ao qual, muitas vezes, o mundo economicamente mais desenvolvido fecha os olhos, os ouvidos e a boca. Mas este país e este continente merecem ser respeitados e ouvidos, merecem espaço e atenção.”
Na sua intervenção, o Papa evocou situações como as das crianças escravizadas – uma situação denunciada por várias organizações – como foi o caso da Amnistia Internacional, em Setembro de 2020, em relação à extracção de minérios usados em telemóveis, computadores jogos electrónicos, automóveis ou armas [ver 7MARGENS]: “há muitas crianças que não vão à escola: quantas, em vez de receberem uma digna instrução, são exploradas”, disse o Papa. “Muitas morrem, sujeitas a trabalhos escravizadores nas minas. Não se poupem esforços para denunciar o flagelo do trabalho infantil e acabar com ele.”

Nem só do trabalho escravo se fez a denúncia do Papa: “Quantas adolescentes são marginalizadas e violadas na sua dignidade! As crianças, as meninas, os jovens que são o presente da esperança, são a esperança: não permitamos que seja extinta, mas cultivemo-la com paixão!”
Criticando a “trágica” persistência da guerra, da fome e de doenças como a malária, a violência, exploração de recursos, escravatura e violações dos direitos humanos mais básicos, Francisco acrescentou: “Não podemos habituar-nos ao sangue que, há décadas, corre neste país, ceifando milhões de vidas, sem que muitos o saibam. Que seja conhecido tudo o que acontece aqui.” [ver outro texto no 7MARGENS]
“Depois da exploração política, desencadeou-se um ‘colonialismo económico’ igualmente escravizador”, criticou, que fez com que o país esteja a ser “saqueado”.
Antes do encontro no palácio, o Papa fizera um percurso em automóvel, durante o qual foi saudado por uma imensa multidão nas ruas, após o que se encontrou com o Presidente Félix Antoine Tshisekedi. No discurso de boas-vindas, este referiu também o terrorismo originário de países vizinhos e “potências estrangeiras” cometem “atrocidades” – numa alusão ao papel que o Ruanda tem desempenhado nos conflitos do Leste do país.
Francisco começou a sua intervenção por se apresentar como “peregrino de reconciliação e de paz” – o tema da viagem é precisamente “Todos reconciliados em Jesus Cristo”, apelando a que o país possa “usufruir de válidas oportunidades educativas”, que permitam “fazer frutificar plenamente os brilhantes talentos” das suas populações e que estas possam poder utilizar e usufruir quer as “riquezas materiais escondidas no subsolo” quer as “riquezas espirituais”.
A guerra, os conflitos, as migrações forçadas e as “terríveis formas de exploração, indignas do homem e da criação” levaram o Papa a pedir que “a violência e o ódio não tenham mais lugar no coração e nos lábios de ninguém”.
Francisco, o segundo Papa a visitar o país (João Paulo II esteve no Congo em 1980 e 1985), referiu-se ainda à necessidade de proteger “um dos maiores pulmões verdes do mundo” que o país possui.
Nesta quarta-feira, 1 de Fevereiro, a missa no aeroporto de Kinshasa-Ndolo, que pode receber cerca de um milhão e meio de pessoas, será provavelmente o acto multitudinário mais importante desta viagem, que prosseguirá para o Sudão do Sul na sexta-feira, terminando no domingo.
A eucaristia será celebrada segundo o rito zairense, uma estrutura da liturgia própria daquele país africano. Haverá orações em francês, lingala, tshiluba, swahili e kikongo, sempre com os temas da paz, reconciliação e justiça como pano de fundo. À tarde, o Papa encontra-se com um grupo de vítimas da violência do Leste do país.
Francisco esteve em África quatro vezes antes desta: em 2015, 2017 e 2019 (duas viagens), visitou o Quénia, Uganda, República Centro-Africana, Egipto, Marrocos, Moçambique, Madagáscar e Maurícia.