Livro “Amanhã é Outro Dia”

Ucrânia: também estamos “entre os que choram”

| 8 Ago 2022

Amanhã é Outro Dia, sobre a guerra na Ucrânia, é o título do livro que será lançado na próxima quinta-feira, 11, em Oleiros. A obra reúne mais de 60 crónicas de Mendo Castro Henriques – professor da Faculdade de Ciências Sociais e Humanas da Universidade Católica Portuguesa e antigo diretor do Departamento de Investigação de Defesa do Instituto de Defesa Nacional –, diariamente publicadas em edição digital e nas quais o autor analisa os múltiplos fatores em jogo na guerra ainda em curso e aponta como horizonte o ruir do último império europeu, a Federação Russa de Putin.

A apresentação decorre às 17h no Auditório Municipal de Oleiros, vila onde vivem mais de duzentos refugiados ucranianos, e conta com a presença da embaixadora da Ucrânia em Portugal. O 7MARGENS publica a seguir um dos prefácios, do jornalista Joaquim Franco – o outro é do general Rodolfo Begonha. 

 

Amanhã é Outro Dia, sobre a guerra na Ucrânia, é o título do livro que reúne mais de 60 crónicas de Mendo Castro Henriques.

Amanhã é Outro Dia, sobre a guerra na Ucrânia, é o título do livro que reúne mais de 60 crónicas de Mendo Castro Henriques.

 

Também estamos “entre os que choram”

A paleta mediática mistura as tintas com que desenha o(s) mundo(s). Exacerbados pela emoção, os media não facilitam a distinção das cores, são mensageiro e mensagem. Em dinâmicas perversas, disfarçando interesses, ou perdidos na voragem da velocidade, na derrapagem da precipitação, da híper-síntese, da híper-emoção, da supremacia da imagem, fragilizam e condicionam a leitura do(s) mundo(s) e o consequente exercício político.

As ondas mediáticas são cada vez maiores, mas paradoxalmente mais curtas. Alimentam a sensação de insaciabilidade, a espiral de um consumo que leva, inevitavelmente, à redundância e ao supérfluo noticioso.

Há que distinguir evento e acontecimento. Quantos conteúdos mediáticos, no contexto da informação/notícia permanecem no tempo? O evento é efémero. O acontecimento fixa-se como referência da memória. O caso da invasão da Ucrânia, gerador de consensos mediáticos, é paradigmático destas duas dimensões. Acontecimento registável e ímpar, não se livra do desfoque e acaba por sobreviver mediaticamente com este. Vivendo nós na imersão desta duplicidade, estamos também “entre os que choram”. Nunca o pensamento discernido, com distanciamento crítico, e o exercício jornalístico foram tão desafiados. O empenho racional e analítico de académicos e jornalistas que recusam o aquaplaning no sensacionalismo das perceções acríticas não é só um dever, é uma exigência.

É importante teimar no rumo, no foco, o que pode implicar um esforço acrescido, por vezes inglório, de remar contra as marés, de contrariar os ventos. Sim, não se pode parar o vento com as mãos, mas até os menos experientes navegadores sabem que os maus ventos são de evitar, se necessário, não saindo ao mar.

Para Mendo Henriques, a espuma dos dias não passa disso mesmo, de espuma distraída para enrolar tudo na mesma onda. Há que evitar esta espuma nos rebentamentos mediáticos do quotidiano, sem a menosprezar, e manter a leitura na crista, naquela gota rara que se solta para ver mais longe.

A guerra na Ucrânia mudou tudo” – é tremendo o alcance desta constatação, que, à semelhança da pandemia covid-19, não se limita à tendência para a leitura limitada das proximidades temporais – e este “separador de águas” ficará como o acontecimento que acordou a Europa da democracia e do Humanismo também para uma irónica constatação: quem cede no essencial, fragiliza os alicerces.

Não há um preço para tudo, porque nem tudo tem um preço. A ganância alimenta-se numa certa lógica financeira, que constrói a hipocrisia da Realpolitik e da geopolítica, que, como diz o autor, “é uma pseudociência e causa desastres”. O papa Francisco, há anos a defender que andamos numa terceira guerra mundial aos bocados, usou uma expressão mais pragmática: “esta economia mata”.

Se não há políticos inocentes nas barricadas do conflito na Ucrânia – a história não começou em 2022 – é evidente que, no terreno, há vítimas inocentes. Numa guerra, há sempre vítimas inocentes e o primeiro a carregar no gatilho tem uma responsabilidade acrescida, uma conta pesada a ser cobrada nas trincheiras da memória futura.

Citado por Mendo Henriques, o mestre Kasparov antecipava já a jogada do xadrez imperial: “Dizíamos há muito tempo que, embora Putin fosse um problema nosso, em breve se tornaria um problema mundial”. Ambas as partes do conflito jogam no tabuleiro das opiniões públicas, no qual os conceitos de verdade, justiça e liberdade sucumbem perante a mentira, a manipulação e o medo. Embora sobrem poucas dúvidas sobre o que corresponde à realidade de cada um dos lados, estamos num pântano comunicacional. Ecoam as palavras de Solzhenitsyn no contexto do estalinismo: “Eles mentem, nós sabemos que eles mentem, eles sabem que nós sabemos que eles mentem, mas eles continuam a mentir e nós fingimos continuar a acreditar neles.” Só a dedução final do escritor russo parece ter mudado. Não há como fingir. Apesar de todas as limitações à liberdade de expressão e de informação, não é possível prevalecer hoje numa única versão. É por isso importante conhecer por dentro, tempo e espaço para a análise racional, com distanciamento crítico.

Não faltam análises e analistas a ampliar tempos mediáticos dedicados à guerra nessa voraz ansiedade alimentada para efeitos de audiências. Poucos e poucas conseguem evitar a tendência de uma leitura estratificada. A análise expõe os contrastes, não mistura as cores, junta as pontas soltas para abrir o ângulo e resgatar leituras. Na guerra em apreciação – da política à religião, da economia à história, das armas no terreno à, muito limitada, expectativa de diálogo –, exige-se a compreensão perspicaz da política russa e ucraniana, e, simultaneamente, a visão transversal da Europa e do Mundo.

As metamorfoses do conflito são tão imprevisíveis quanto o autor do primeiro disparo. “Só há paz sem Putin”, deduz o autor, que podia até interrogar a afirmação: só há paz sem Putin?

O pêndulo das guerras anda sempre entre a tentativa de converter o agressor e o desejo, ou necessidade, de o aniquilar. O escolho não está apenas num dos lados.

Amanhã é Outro Dia

Amanhã é Outro Dia

Yuri Shevchuk, ícone musical russo, faz do rock um instrumento da contestação ao regime, mas chegou a recusar concertos nos EUA por defender que devem ser os russos a resolver os seus problemas. A nova geração russa – com S. Petersburgo como malha simbólica – desperta. Embora ténue, há um aparente caminho de implosão, que carece da pergunta: “existirá um caminho a seguir para a democracia, ou é um ideal sem esperança, o reino de uns ativistas que arriscam as vidas por um sonho?”. Afinal, que “democracia poderá ser construída na sociedade russa, para curar as feridas nacionais e coletivas?”.

As crónicas – imperdíveis – reunidas neste livro varrem o diário de uma guerra estranha, como qualquer guerra, que é sempre contra o tempo da razão e contra o espaço da Humanidade.

 

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