
José Oulman Carp teve um “papel importante” no desenvolvimento do diálogo inter-religioso em Portugal. Foto: Direitos reservados.
“Um judeu português, patriota, que amava imensamente o seu país, homem culto e afetuoso, dedicado à sua comunidade, conciliador, um homem que a ninguém deixava indiferente pela gentileza e elevação no trato.” Assim definiu a Comunidade Israelita de Lisboa (CIL) a personalidade do seu antigo presidente, José Oulman Carp, que morreu no passado dia 5 de Novembro (dia 21 de Cheshvan do ano 5784 do calendário judaico), em Lisboa, na sequência de um processo de doença que o atingira há anos e que se agravou no último ano, com vários internamentos hospitalares, que levaram o próprio e a família e enaltacer o funcionamento do Serviço Nacional de Saúde.
Sendo um homem profundamente ancorado nas suas raízes judaicas, era também alguém capaz de estabelecer pontes. Teve um “papel importante” no desenvolvimento do diálogo inter-religioso em Portugal, recordava ao 7MARGENS o padre católico Peter Stilwell, lembrando o papel de Oulman Carp na criação, com o presidente da Comunidade Islâmica de Lisboa, Abdool Vakil, do Fórum Abraâmico, em 2006, organização filiada no Three Faiths Forum, do Reino Unido.
No comunicado em que deu a notícia, a CIL acrescentava sobre o seu anterior presidente que ele era alguém que, fiel ao “judaísmo, sempre procurou, de forma cordata e irrepreensível, construir pontes e edificar ligações que pudessem beneficiar a CIL e todos os seus membros”. Carp foi também um “promotor activo e empenhado dos valores da tolerância, do respeito e do diálogo inter-religioso”, que fez da sua actuação diplomática uma prática constante, emprestando essa forma de ser e de estar às diversas direcções a que presidiu”.
Membro da CIL desde sempre, Carp assumiu funções dirigentes da Comunidade a partir da década de 1980, integrando várias direcções em diferentes mandatos. Assumiu o cargo de presidente entre 2002 e 2016 e, depois, de 2019 a 2022. Durante a sua presidência da CIL multiplicaram-se iniciativas de diálogo inter-religioso, nas quais José Oulman Carp participava com frequência. “Um fazedor de pontes, de conciliações, de encontros”, recordou a família, num texto lido na segunda-feira, no cemitério judaico de Lisboa, por ocasião do funeral. Casado com Fernanda Carp, com duas filhas e um filho e cinco netos, era “um homem de comunidades”, “amigo do seu amigo, um diplomata dos afectos, fosse no colégio, no escritório, em casa, na sinagoga, na igreja, na mesquita e mesmo nos campos de golfe”, que gostava de jogar.
Nascido em 26 de Fevereiro de 1943, no Dafundo (Oeiras), José Oulman Bensaúde Carp descendia de duas importantes famílias judaicas portuguesas: originários de Marrocos, os Bensaúde tiveram o seu patriarca, José Bensaúde, a fundar a Fábrica de Tabaco Micaelense e outras indústrias açorianas. O antigo Presidente da República Jorge Sampaio era também membro da família Bensaúde. Do outro lado, José Carp era sobrinho, afilhado e foi também sócio de Alain Oulman, o autor de muitos dos fados de Amália Rodrigues.
Antes de ser sócio do tio Alain, enquanto empresário, José Carp chegou a trabalhar em Frankfurt (Alemanha) e depois em Paris (França), tendo cumprido o serviço militar no sector francês de Berlim, em 1966. Em 1967, Carp foi para Israel, onde viveu quase cinco anos, regressando a Portugal em 1971. Essas andanças pelo mundo deram-lhe, além da nacionalidade portuguesa, também a francesa e a israelita. Em 25 de Abril de 1974, José Oulman Carp esteve no largo do Carmo, onde assistiu ao cerco do quartel da GNR e à posterior rendição de Marcello Caetano, com a consequente vitória da revolução democrática.
“Antes de ser muitas coisas, foi antes de mais um filho, afectuoso e presente. Esse carinho fácil para com o próximo fez com que colecionasse amizades e admirações pelos quatro cantos da terra por onde andou e viveu”, recordava também o texto dos filhos lido no funeral. Que evocava ainda “a memória de um marido, de um parceiro de uma mulher de armas com quem partilhou mais de meia vida, de um pai terno e sempre presente, de um avô carinhoso e professor de xadrez”.
A Comunidade Israelita anunciou ainda que “oportunamente promoverá a devida e merecida homenagem pública a José Oulman Carp, um homem inteiro, bondoso e profundamente íntegro”.