
Grafito nas paredes do Seminário Conciliar de S. Pedro e S. Paulo: “A Igreja de Braga precisa de dar sinais claros de uma mudança substancial.” Foto © Eduardo Jorge Madureira
D. Jorge Ortiga foi nomeado arcebispo de Braga em 5 de junho de 1999, e solicitou a sua substituição em 2019, ao completar 75 anos. Estando para breve a sua substituição (já correm vários nomes de candidatos),e tendo em conta a importância da diocese de Braga no panorama católico português, o 7MARGENS lançou um curto inquérito sobre o perfil que várias pessoas da diocese desejariam ver para o novo arcebispo, em termos de qualidades humanas, sociais e eclesiais.
Num primeiro texto da série, recordámos o que se passou em 1999, quando a nomeação de D. Jorge Ortiga pelo Papa João Paulo II foi antecedida por uma movimentação de leigos da arquidiocese, no sentido de dizer que perfil deveria ter a pessoa escolhida.
A seguir, fica o terceiro depoimento: Luís António Santos, professor universitário.

Luís António Santos.
Disse há semanas o Papa Francisco, a propósito de algumas das suas propostas para encarar a pandemia do covid 19 e, sobretudo, para lidar com o mundo que por cá estará a seguir a ela, que “não é uma questão de ideologia, é Cristianismo”.
É um posicionamento claro, forte e capaz até de sobressaltar leituras mais acomodadas sobre o papel da Igreja de Roma. Não sendo surpreendente para quem percebeu, logo na primeira visita do pontificado, que Francisco pretendia romper com a estratégia de “afastamento prudente” da política (sobretudo das suas interacções com a Economia e com a Sociedade) foi, em todo o caso, desafiador para leigos e para membros da estrutura.
Essa proposta desafiadora, de convocação para a presença, de convocação para a clareza de posicionamento em apoio aos mais vulneráveis, de quebra de fidelidades antigas e sedimentadas demora ainda a fazer o seu caminho até Portugal.
A nossa Conferência Episcopal vive ainda uma existência serena, pousada, escolhendo pronunciar-se de forma titubeante em questões de enorme relevo social e escolhendo mobilizar-se para a acção quase só quando estão em causa os interesses “políticos” da estrutura (os direitos adquiridos na sua relação com o Estado central ou local ou o seu posicionamento simbólico). Refiro dois exemplos recentes: a reação errática na questão da pedofilia e a forma pouco comprometida como reagiu à pandemia (por contraponto, se quisermos, à questão da descriminalização da interrupção voluntária da gravidez).
O arcebispo de Braga é parte integrante deste órgão e tem nele uma posição de relevo. Se tivesse que propor um primeiro traço de perfil seria, precisamente, o agregar competência, talento e capacidade argumentativa para mobilizar os seus pares no sentido de aproximar a Igreja portuguesa das propostas do Papa Francisco. Para os desassossegar, para os convocar a um outro tipo de postura.
Gostaria muito que a nova liderança quebrasse – já ao nível local – a imagem de uma gestão dos interesses religiosos em acerto (em muitos casos, nas últimas décadas, em conluio até) com os agentes políticos. A percepção pública de que muitos desses acertos – como os casos recentes dos negócios para a construção de um supermercado no centro da cidade, em terrenos adjacentes a uma área escolar, ou do aluguer do cinema S. Geraldo à Câmara Municipal de Braga – são feitos em favor de interesses contrários ao da comunidade, reforça um ideia de alheamento da Igreja, de existência autocentrada, à margem de tudo o que a rodeia.
Gostaria, por último, que a um novo tipo de presença em comunidade correspondesse também um novo tipo de relacionamento. O uso que no presente se faz das potencialidades de comunicação (presencial ou à distância) é ainda acertado pela noção de transmissão unilateral e seria esta uma oportunidade excelente para aprofundar contactos – permanentes ou ocasionais – com grupos mais ou menos organizados de fiéis mas também com cristãos que se afastaram da mecânica de tipologias rígidas de congregação e debate.
A Igreja de Braga precisa de dar sinais claros de uma mudança substancial. Nos tempos que correm e perante uma degradação permanente da sua imagem pública e da sua real presença/influência na vida das pessoas, “transições na continuidade” já não chegam.
Amanhã: depoimento de Deolinda Machado, professora, dirigente da Liga Operária Católica-Movimento de Trabalhadores Cristãos e do Movimento Erradicar a Pobreza.
Depoimentos já publicados: Alexandre Gonzaga (jornalista) e Ana Maria Pinto (militante da LOC/Movº de Trabalhadores Cristãos)