
” É inevitável aceitar a nossa condição solitária.” (Foto: Misericórdia de Bragança)
Quase onze meses se passaram desde que nos confrontámos com as primeiras sensações de um isolamento que nos foi imposto. Um isolamento quase intermitente, mas que esteve sempre presente nas nossas ideias, nas nossas palavras e nos nossos atos. Um isolamento que tem sido vivenciado de diferentes formas e perspetivas por cada um de nós, tal como qualquer outra experiência.
Alguns com a sorte de o usufruírem na companhia dos que amam. Outros, com o desafio pleno que carrega a palavra. Para muitos é a sensação hostil, agreste e inabitável à alma. Onde cambaleamos entre um vendaval de emoções entorpecidas. Todavia, o ato de estar isolado não tem de estar, obrigatoriamente, associado à privação da presença física de outrem. A mesma excruciante intensidade de uma solidão absoluta e incompreendida, poderá ser sentida e encontrada na presença dos nossos semelhantes.
Associamos o ato de estarmos sozinhos como algo por inerência negativo, triste e angustiante. Para além de sermos seres sociáveis, necessitamos da constante presença dos nossos pares, de forma a sentirmos que pertencemos a algum lugar e, de certa forma, completos na nossa existência. É humano desejar tudo isto.
A solidão é uma espécie de monstro que todos tememos, principalmente com o avançar dos anos, onde aquela se vai agarrando a nós com uma terrível força, fruto da nossa rotina e do aprofundar dos nossos pensamentos. É o local onde mais ninguém nos pode ouvir, onde somos confrontados com as nossas próprias vozes, sem distrações ou amparos, apenas o silêncio dos nossos receios. É claro que ter a companhia e o amor do nosso próximo é impreterível a uma vida mais feliz. No entanto, existem momentos e fases onde abraçar essa solidão é fundamental para o nosso crescimento pessoal e, também, para uma preciosa autocompreensão.
É inevitável aceitar a nossa condição solitária. Muitos de nós recusam-se a fazê-lo, caindo na tentação de fugir para as mais variadas distrações mundanas, conseguindo assim evitar o embaraço de enfrentar o abismo das nossas mentes com a virtude que se lhe é exigido. Mas por muito que tentemos, não nos é possível fugir para sempre. Em algum ponto da nossa vida iremos aperceber que estamos sozinhos.
Apesar das inúmeras boas relações que possamos ter, somos, no fim de tudo, indivíduos. Com todas as nossas falhas, medos e virtudes, apenas nós nos podemos compreender integralmente, entre as marés baixas e as marés altas das nossas emoções, permitindo assim que os outros possam navegar os nossos mares e nós possamos navegar os deles, tendo em conta que não podemos controlar as marés, mas podemos escolher o barco com que as navegamos.
Enfrentemos esta nova carga de solidão, não com o desespero típico que lhe é intrínseco, mas com o desafio e a luta de a tornar num espaço confortável para a nossa própria companhia, independentemente das adversidades que são próprias de cada um.
Aproveitemos este tempo que nos é imposto para entender onde estamos e para onde queremos ir. Exploremos estes dias cinzentos para recomeçar, se assim for necessário, compreendendo aquilo que ainda não conseguimos compreender. Observemos a paragem da azáfama do nosso quotidiano, não como uma paragem na vida, mas como uma impulsão para todas as nossas potencialidades.
Ricardo Guimarães é natural de Braga, onde se formou em Direito, e exerce a sua atividade profissional no Porto.