Um sentido para a vida humana (2)

| 4 Set 2020

2. O que podemos esperar?

(A primeira parte do texto pode ser lida nesta ligação.)

 

O que podemos então esperar? Talvez não aquilo que virá, mas aquilo que já cá está. O Reino, escreveu São Lucas, “não vem de modo ostensivo. Ninguém poderá afirmar ‘Ei-lo aqui ou ali’, pois o reino de Deus está dentro de vós.” (Lc 18 20-21). O Reino – a plenitude ilimitada da liberdade, do amor, do conhecimento, da justiça, da verdade, da beleza. A expressão do infinito na finitude.

Que o Reino não signifique o fim da esperança, mas o lugar onde a esperança é para sempre. Irredutível, plena, luminosa, como quando experimentamos algo verdadeiramente belo e sublime. Com efeito, a verdadeira beleza parece precisamente a manifestação sensível do Ilimitado, do Absoluto. Ela é, digamos, a própria perceção subjetiva que podemos ter do Ilimitado enquanto tal, da Verdade enquanto tal. Ou mesmo já uma forma de mergulharmos nele, sendo subtraídos por momentos aos limites espaciotemporais da nossa condição imediata.

Assim é, toda a boa arte e toda a beleza, uma porta para o universal, para o eterno em nós. Por isso, a experiência da Beleza comporta consigo a Esperança. Uma esperança que não requer ser imediatamente satisfeita, mas tão-só ser contemplada. Contemplação do que É, quer dizer, do que participa do próprio Absoluto-Ser. Ao abrir-nos ao Ser, a Beleza abre-nos também ao nosso próprio ser, esse imenso ilimitado de possibilidades radicado em nós, quer dizer, para a fonte da nossa suprema liberdade, da nossa suprema verdade. Ela leva-nos a intuir a real dimensão das nossas mais vastas e elevadas possibilidades de ser, e é assim que a esperança emerge em nós. O estético desperta o ético porque revela o ontológico. Fundamentalmente, a Beleza é a prova de que a vida possui em si própria a razão da sua esperança, só por ser vida. Noutras palavras, a Beleza revela que a vida vale a pena, só porque É. Porque assenta no próprio Ser-Absoluto que contém em si o seu próprio desígnio e fundamento.

Em suma, a verdadeira e escatológica esperança parece resultar de um exercício de reconhecimento e perceção do Infinito em todas as coisas, dentro e fora de nós, traduzido em conhecimento e beleza. Para quem tem algum tipo de fé religiosa institucional e dogmática, é talvez mais fácil desenvolver uma esperança numa escatologia entendida como “fim da história” que signifique verdadeira libertação, redenção, paz, felicidade suprema. Mas há sempre o risco de fechar Deus numa ideologia, num ídolo, e não só Deus como uma determinada doutrina, uma lei ou tábua de preceitos, ou mesmo uma profecia.

Há sempre e demasiado o risco da literalidade das interpretações, que é uma forma de materialismo espiritual. O dogma é materialismo espiritual, porque pressupõe-se que se pode possuir uma verdade como um capital, e que esta pode realmente ser provada ou apreendida como algo objetivo e definido, logo, limitado. E não há dúvida que este confinamento a que se vota o espírito e a imaginação pode tornar-se numa cegueira para o Ilimitado, isto é, o Aberto que Deus realmente parece significar enquanto Infinito.

Ora, o fechamento nesta materialidade do dogma ou do rito desemboca em formalidade, e a formalidade mata a esperança vivida enquanto tal, ou seja, como promessa real sustentada na experiência subjetiva de uma abertura para o ilimitado de Deus. Colocar a esperança em algo que é entendido literalmente desta ou daquela maneira, isto é, dogmaticamente, é talvez fazer da esperança algo finito e limitado, que logo que isto ou aquilo aconteça será satisfeita – logo, terminará, ou então será desiludida, se se revelar uma esperança falsa ou vã.

Esta é uma escatologia materialista, porque ideológica, isto é, fundada em dogmas e pressupostos de realização de uma determinada materialidade histórica, de uma utopia. Isto é tão verdadeiro para certas ideologias políticas de caráter escatológico, utópico, como para certas formas ideológicas de religião. A esperança que propõem é limitada, porque é suposto que ela se cumpra no tempo, e não no ilimitado – i.e., no não-tempo, no eterno.

Mas pode uma esperança assim limitada realmente satisfazer, iluminar, dar vida, durar, encantar e dar plenitude de sentido à existência? E estar à altura da radical sede de Infinito que atravessa o humano? É que muitas vezes a utopia que prometem não é afinal totalmente satisfatória para a integralidade das aspirações, não só materiais, mas sobretudo espirituais da pessoa humana… Não um verdadeiro “fim da História”, mas só mais um episódio que pode inclusive significar inteiro retrocesso… Veja-se que hoje, mesmo no culminar da prosperidade, da cultura e da liberdade das sociedades ditas de primeiro mundo, há um profundo vazio de sentido existencial que se traduz frequentemente em angústia, depressão, suicídio, etc. Muitas esperanças foram cumpridas após séculos de aspirações, trabalhos e lutas diversas. Mas por que é que isso não chegou para que fôssemos completamente felizes?

São Paulo, na Carta aos Romanos, tem uma passagem curiosa e algo enigmática. Ele diz: “Porque na esperança é que fomos salvos. Mas a esperança que se vê não é esperança, pois aquilo que alguém vê, como é que o espera ainda?” (Rom 8 24)

Talvez a verdadeira esperança exija menos ser satisfeita do que contemplada como tal, isto é, como promessa de realização no infinito. Só isto talvez nos ofereça o impulso da verdadeira procura, a alegria do caminho e da descoberta, da aprendizagem e do aperfeiçoamento contínuo, tendo por base a constante expetativa do milagre que pode irromper do infinito Milagre que é o próprio Ser. Uma esperança que se traduza em vida, e não somente em espera, trazendo já ao dia de hoje esse infinito e essa verdade que se intui como finalidade e destino de uma liberdade que desperta para o seu ilimitado.

 

Ruben Azevedo é professor e membro do Ginásio de Educação Da Vinci – Campo de Ourique (Lisboa).

 

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