
Um dos encontros de preparação do Sopro, movimento de inclusão de pessoas católicas LGBT, que decorreu em Coimbra, em Outubro 2021. Foto © Ana Carvalho
Apresenta-se com uma palavra curta de cinco letras, “sopro”, escrita à mão. A ponta do “o” final prolonga-se numa linha que depois se converte no braço horizontal de uma cruz, ligeiramente ondulado e pintado com as cores do arco-íris. É o título da página digital que acaba de ser aberta a público pelo Sopro, movimento que se propõe “através de diálogo, formação, informação, acolhimento e integração, fomentar um ambiente de respeito e aceitação para com pessoas LGBT+, famílias e amigos, nas comunidades cristãs católicas” em Portugal, como se lê na página de apresentação.
A divulgação da existência do movimento através da sua página, desde o fim-de-semana aberta na internet, é também explicitada pelo logotipo: “Queríamos que o desenho tivesse que ver com o Sopro. Por isso vai do preto a todas as cores, de forma inclusiva. Não queríamos que fosse o arco-íris de bandeira, mas que traduzisse a ideia da inclusão”, diz Maria Pires, uma das intervenientes na criação do desenho, construído por várias mãos e imaginado por diferentes contributos.
“A letra escrita à mão indica que esta é uma dinâmica em construção: queremos escrever a muitas mãos este caminho que já estamos a percorrer em conjunto…”, acrescenta Maria, 32 anos, que trabalha em gestão.
O Sopro, que para já se apresenta como movimento, quer ser um “espaço aberto a todas as pessoas que, sendo católicas, tenham orientações afectivas diferentes”, diz Teresa Vieira Cruz, 29 anos, fisioterapeuta que trabalha na área de neurologia. “E que possa trazer alguma riqueza à Igreja.”
A ideia de tal movimento nasceu a reboque da Jornada Mundial da Juventude que decorrerá em Lisboa em 2023: “Tendo em conta toda uma comunidade que poderia não ter espaço neste evento”, a mobilização de várias pessoas e sucessivas conversas e reuniões levaram a percorrer este caminho, como conta Bárbara Gardete, que, com Maria, Teresa e Ana Carvalho, integra a equipa de coordenação.
Há um ano, as quatro, com Pedro Rei, tiveram uma primeira reunião. Mas com o alargamento das conversas o objectivo deixou de ser apenas a integração na JMJ e passou a ser o de “encontrar um caminho que permitisse que esta comunidade” se sentisse bem e integrada “em todo e qualquer momento no seio da Igreja Católica”, escreve ainda Bárbara, na apresentação da página.
Teresa Cruz e Maria Pires têm estado mais responsáveis pela criação e organização do site. Insistem ambas na afirmação da diversidade e de uma linguagem de esperança e no estabelecimento de pontes, seja entre pessoas LGBT, seja com outras pessoas e com o conjunto da Igreja.
“Queremos ter um tom positivo e de aproximação, não de ruptura”, diz Maria Pires, falando do Sopro e da página do movimento. “Na Igreja em Portugal há uma ideia de que a realidade homoafectiva não existe.” Por isso, acrescenta Teresa, o Sopro e o seu site querem dar “visibilidade” a pessoas, buscas, percursos, histórias pessoais, bem como a textos de debate e aprofundamento sobre essa questão no interior da Igreja e para lá dela.
Além de uma secção onde se conta a história do processo que levou a este movimento, o site prevê, para concretizar aqueles objectivos, outras quatro secções: testemunhos; teologia e fé; ponto de escuta; e notícias.
“Um lugar que lentamente se vai abrindo”
Os testemunhos têm por detrás essa ideia de estabelecer pontes, “no sentido de explorar um lugar que lentamente se vai abrindo”. E a afirmação da integração como “um lugar comum para todos, incluindo também para pessoas com orientações sexuais não normativas, que seja um lugar de comunhão e o início de uma comunidade mais alargada”, diz Teresa Cruz. “Sentimos que somos já testemunhas no dia a dia, nas paróquias, nos movimentos que frequentamos. Mas faltava dar este passo e trazer a questão da visibilidade LGBT para o conjunto da Igreja e da sociedade.”
O ponto de escuta pretende criar um espaço para que “pessoas que nem sequer sabem quem procurar” tenham uma forma de encontrar apoio, se necessário. Até porque podem cruzar-se com algum “psicólogo que pode vir de uma vertente mais conservadora” ou algum padre com uma visão mais excludente.
“Vários de nós passámos por processos desses, por isso sentimos necessidade de possibilitar esse apoio”, justifica Teresa. Tendo feito um percurso espiritual sobretudo ligado aos jesuítas, Teresa Cruz não se sentiu vítima de condenações, mas diz que pode haver quem necessite de apoio espiritual ou psicológico – daí estar prevista uma equipa para essas áreas, integrada para já por três padres, uma psicóloga e dois leigos (há outras pessoas que colaboram com o movimento mas que não estão identificadas no site), bastando para isso preencher o pequeno formulário previsto na página.
O ponto de escuta, acrescenta Maria Pires, pode ajudar em pormenores tão concretos para um católico LGBT como o saber que padre se pode procurar para ser ouvido em confissão sem se sentir condenado.
Na secção de notícias, procurará dar-se conta do que se passa no mundo e na Igreja e que “traga alguma esperança no caminho que está a ser feito”, afirma Maria Pires. “Há muito mais notícias de perseguições e condenações, mas nós queremos dar espaço sobretudo a notícias que tragam esperança, que sejam sinal da construção do Reino de Deus.”
O mesmo no campo da teologia e fé: “Há poucos materiais, escritos em português, sobre homoafectividade e a relação com Igreja Católica. Por isso, queremos ter um espaço com textos interessantes que já existem, em todo o mundo”, afirma Maria. Ali é possível, encontrar, para já e entre outros, referências ao livro Os Excluídos da Igreja, de John McNeill, publicado há anos na colecção Nova Consciência, dirigida por frei Bento Domingues no Círculo de Leitores; vários títulos do jesuíta James Martin, que se tem dedicado ao trabalho com pessoas LGBT; a tese do padre português, também jesuíta, João Manuel Silva, sobre “sementes de verdade nas uniões do mesmo sexo”; ou o documento de cerca de 80 teólogos que refuta as críticas do catolicismo tradicional às relações entre pessoas do mesmo sexo, publicado em Maio do ano passado pelo Instituto Wijngaards de Investigação Católica e já referido no 7MARGENS.
“Tentaremos reunir documentos, áudios, artigos, livros, que possam servir para aprofundar o tema”, diz Maria, e “que “façam esse balanço entre a teologia e a esperança”, acrescenta Teresa.
O recente processo sinodal lançado pelo Papa tem possibilitado uma crescente abertura ao tema, admite Teresa Cruz, “mas em Portugal ainda estamos longe” do que se vive em outros países. O Sopro pode, assim, ajudar a revelar trajectos muito diferenciados, seja de pessoas que se afastaram da Igreja e explicam porquê ou de quem nela permanece e que razões vê para isso. São pessoas que podem “espelhar a diversidade do que existe, também em relação com a Igreja, sempre num tom de construção e de esperança.”