O catolicismo vive uma crise profunda, apesar de continuar a ser para muitas pessoas um espaço vital de busca de sentido e experiência de fraternidade. As situações de abusos de poder e violências sexuais vieram evidenciar problemas sistémicos. Em Portugal, depois de terem criado uma Comissão Independente (CI) para estudar os abusos sexuais sobre crianças, os bispos ficaram na indefinição sobre o que fazer com o panorama posto a nu pelo relatório da CI. Perante a perplexidade que tomou conta da sociedade e de muitos crentes, o 7MARGENS convidou católicos a partilhar leituras da situação e propor caminhos de futuro, a partir de três perguntas:
- Quais são os pontos que considera centrais nas medidas a assumir agora pela Igreja, para ser fiel ao Evangelho e ser testemunho de Jesus Cristo na sociedade? A quem cabe concretizar e liderar a aplicação de tais medidas?
- Considera que faria sentido que os batizados se encontrassem e se escutassem sobre essas tarefas e desafios que se colocam à comunidade eclesial, a nível diocesano e/ou nacional? Como? De que formas?
- Que contributo(s) estaria disposto a dar para que a Igreja, os católicos e as suas comunidades adotem um caminho centrado no Evangelho em ordem a superar a prática de abusos?
Valorizar o pensamento social cristão
Nesta quinta resposta ao desafio do 7MARGENS, Eugénio Fonseca, presidente da Confederação Portuguesa do Voluntariado, sugere a obrigatoriedade de instituir instâncias de participação em registo sinodal, bem como uma estratégia formativa que valorize “o tão desconhecido pensamento social cristão.

“Uma Igreja que faça mesmo, sem tibieza, uma verdadeira opção preferencial pelos pobres e que não se limite à proteção assistencial, mas invista na superação da causas que originam as situações de pobreza e de exclusão social.” Foto © Truthseeker08 / Pixabay
1. Sugiro medidas que possam estar ao alcance da Igreja que está em Portugal e não as que dependam de decisões que a transcendam. Assim, gostaria de uma Igreja que seja mesmo Povo de Deus, em que todos os que lhe pertencem caminhem juntos, lado a lado, onde a prática da autoridade venha a ser exercida como serviço e banida qualquer forma de poder; de uma Igreja onde todos tenham lugar e o acolhimento, a compreensão, a aceitação da diversidade, a compaixão, o diálogo sejam os meios para que não se faça mesmo aceção de ninguém (Rom 2, 11); de uma Igreja que viva na sobriedade, libertando-se de tudo o que é supérfluo à sua missão essencial, porque a sua maior riqueza é o Reino de Deus anunciado e testemunhado por Jesus; de uma Igreja que faça mesmo, sem tibieza, uma verdadeira opção preferencial pelos pobres e que não se limite à proteção assistencial, mas invista na superação da causas que originam as situações de pobreza e de exclusão social; de uma Igreja que seja muito rigorosa na seleção e formação dos candidatos a ministérios ordenados em que os critérios de ordem espiritual e humano têm igual peso; de uma Igreja que defina e execute uma estratégia formativa cristã sem esquecer o tão desconhecido pensamento social cristão.
2. Dado que a maioria dos batizados católicos se considera “não praticante” e outros são praticantes mas não militantes, há que investir em dinâmicas que levem os praticantes a encontrarem-se para serem escutados e comprometidos. A metodologia está testada. Refiro-me a uma Igreja em permanente estado sinodal. É só aperfeiçoar esta dinâmica, expandi-la a todas as paróquias, dioceses e instâncias eclesiais de âmbito nacional. Uma Igreja muito marcada por orientações já determinadas por uma hierarquia soberana terá muita dificuldade em adaptar-se a um dinamismo de ação participativa. Há mentalidades a mudar, responsabilidades a assumir e, mais difícil ainda, poderes a distribuir. Não é tarefa fácil. Para já, deveria ser obrigatória a existência de conselhos pastorais paroquiais, assembleias sinodais paroquiais semestrais, assembleias sinodais diocesanas. Poder-se-ia ponderar uma assembleia sinodal nacional com representantes de organizações do mesmo âmbito geográfico e das 21 dioceses.
3. Na verdade, os contributos mais apropriados devem ser sempre dados nas e em comunidades eclesiais. Serão mais eficazes e credíveis. Todavia, pelo muito que se tem lido e ouvido há ainda um longo caminho a percorrer para que esta questão seja assumida como uma tarefa pastoral, não por si própria, mas integrada na formação dos agentes pastorais, operem eles em que tipo de comunidade cristã for, da qual não pode ficar esquecida a educação para uma sexualidade integral, à qual tão bem se referiu o Papa Bento XVI na primeira parte da Encíclica Deus Caritas Est. Lida com atenção, entre pensamentos filosóficos e teológicos, é fácil descobrir como o Deus de Jesus Cristo também passa por dimensões da vida nem sempre bem abordadas pela Igreja. Nesta linha, dispunha-me, se necessário, a receber a formação para integrar equipas de sensibilização e formação, orientadas pelas comissões diocesanas já constituídas, a fim de que os conhecimentos almejados começassem a chegar, rapidamente, às comunidades. Enquanto isso não for possível, vou fazendo opinião, procurando ser fiel ao Evangelho, através da palavra, da escrita e, mesmo com muitas contradições, do meu testemunho pessoal.