A escuta sinodal continua e tem prazo. Mas se a sinodalidade deveria ser o modo de sermos Igreja, quando terminar o Sínodo dos bispos sobre esse assunto e passarmos a outro, deixará de haver escuta sinodal? Os prazos podem ajudar-nos a falar sobre assuntos nos quais o interesse é relativo e isso é positivo para evitarmos adiar falarmos sobre os assuntos difíceis. Mas os prazos levam-nos, também, ao risco de quando terminarem, terminar o interesse. Saltamos de nenúfar em nenúfar quando a grande ideia que sinto com a escuta sinodal é a da criação de uma cultura nova. Uma cultura sinodal. Porém, desenvolver uma cultura leva tempo.
Nos momentos de escuta sinodal em que participei senti a importância deste estilo de ser Igreja. Receava que o diálogo mostrasse como somos especialistas de generalidades, sobrevoando sobre tudo, sem pousar nas coisas concretas e ir a fundo em relação ao que pensamos, mas era um receio infundado. Nas poucas experiências que fiz pude observar como a abertura da mente e do coração nas palavras oferecidas por cada pessoa nos leva a uma experiência de liberdade. Percebi que a escuta sinodal é uma experiência libertadora.
“conhecereis a verdade e a verdade vos tornará livres.” (Evangelho de João 8, 32)
A crise ambiental, ou até a que estamos a viver com a guerra na Ucrânia, têm a sua raiz numa crise antropológica mais profunda: uma cultura em que as pessoas deixaram de saber falar umas com as outras. Com tanta coisa que temos para fazer, pouco tempo sobra para um exame regular de consciência sobre o nosso modo de viver em Deus e sermos comunidade em Igreja. Se as coisas estão bem assim, por que razão haveremos de mudar? Mas com todos os escândalos a acontecer, o crescente desânimo espiritual, o acentuar das visões radicais de vivência da fé, a necessidade de mudar tornou-se uma exigência da consciência. Mas se cedermos à pressa com que queremos mudar, arriscamo-nos a manter o ritmo que levou à crise antropológica em que nos encontramos.
A cultura evolui, mas o ritmo é completamente diferente daquele que experimentamos, por exemplo, com a tecnologia. A escuta sinodal parece-me ser um primeiro passo importante no caminho sinodal, mas exige alguma lentidão. O psiquiatra americano Morgan Scott Peck, conhecido pelo seu famoso livro O Caminho Menos Percorrido dizia que “não podemos escutar verdadeiramente alguém e fazer qualquer outra coisa ao mesmo tempo”. A ideia de escutarmos todos neste processo sinodal pode amedrontar pelo tempo que leva, mas que leve tempo. Escutar não é um dom, mas uma questão de treino. E ao fazermos este treino, na prática, estamos a construir uma cultura sinodal de quem sabe escutar com atenção. Porém, para darmos oportunidade a todos, implica falar o essencial.
Os pensamentos partilhados sobre o modo de ser da Igreja provêm da nossa experiência de vida feita de histórias. O que partilharemos serão muitas histórias, mas contá-las é uma arte. Quando alguém partilha connosco uma experiência e a enche de pormenores e mais detalhes, para que todos percebam “realmente” o que se experimentou, o essencial pode perder-se. Há algum tempo que me debato com as razões de nos perdermos, por vezes, com os pormenores de uma experiência. Será que interiormente estamos ainda à procura do cerne da experiência que nos é difícil (ainda) verbalizar? Ou receamos que o cerne da questão dito na sua essência gere mal-entendidos? Será uma falta de treino na parrésia? Ou receamos que o outro perca a paciência (hipomoné) para nos ouvir em profundidade? Talvez por isso se entenda o valor de uma primeira ronda em que cada um partilha o que pensa sobre um assunto, e uma segunda ronda para verificar se o nosso pensar se transformou com o pensar do outro.
Um dos traços relevantes deste caminho sinodal seria ajudar-nos a ler os sinais dos tempos e, se os tempos mudam rapidamente, há quem seja da opinião que também a evolução cultural deveria ser mais rápida. Porém, se Leonardo da Vinci tivesse pintado a Mona Lisa em quatro semanas, acham que teríamos o quadro que ele demorou quatro anos a pintar? E querem comparar um quadro com a qualidade da Mona Lisa com a potencialidade e qualidade exigida de uma Igreja verdadeiramente sinodal?
O que gera valor leva tempo. O caminho sinodal não termina com o envio de contributos, assim como o Concílio Vaticano II não termina enquanto não tivermos a coragem de deixarmos o Espírito Santo agir nos nossos corações. Ele tem todo o tempo do mundo e estou certo de não se importar que levemos tempo a criar uma cultura sinodal para a Igreja do próximo milénio.
Miguel Panão é professor no Departamento de Engenharia Mecânica da Universidade de Coimbra; para acompanhar o que escreve pode subscrever a Newsletter Escritos. Contacto: miguel@miguelpanao.com