Se tantos milhões de cristãos agirem respondendo aos apelos do Evangelho e do Papa Francisco, “certamente o nosso mundo será uma melhor herança para as novas gerações”. Esta é uma das ideias do contributo de um grupo de casais da zona de Cascais para a maior auscultação alguma vez feita à escala planetária, lançada pelo Papa Francisco, para preparar a assembleia do Sínodo dos Bispos de 2023. Esse coro imenso de vozes não pode ser silenciado, reduzido, esquecido, maltratado. O Espírito sopra onde quer e os contributos dos grupos que se formaram para ouvir o que o Espírito lhes quis dizer são o fruto maduro da sinodalidade. O 7MARGENS publica alguns desses contributos, estando aberto a considerar a publicação de outros que queiram enviar-nos.

Consideramos que a nossa equipa se pode assumir como uma comunidade em caminho sinodal, como julgamos ter sido o nosso percurso ao longo destes anos. Foto © STILLFX.
Somos uma das equipas de casais do Movimento “Equipas de Nossa Senhora”.
Quando o Papa Francisco apelou à participação de todos na preparação do Sínodo, decidimos tomar parte enquanto pessoas, casais, equipa. Somos companheiros de viagem há mais de 40 anos, anos, a partir de um convite, do padre Aleixo Cordeiro, então pároco de Carcavelos, para trabalhar com casais. Na sequência dessa experiência decidimos aderir às ENS..
Sendo já longa a nossa história de comunhão, participação e missão, consideramo-nos uma comunidade de vida, que sempre procurou envolver outros membros da família, em especial filhos e netos, sobretudo num exercício de escuta, com respostas de alguns. Neste quadro, consideramos que a nossa equipa se pode assumir como uma comunidade em caminho sinodal, como julgamos ter sido o nosso percurso ao longo destes anos. Isto sem invalidar as experiências que temos tido nas respetivas paróquias.
Com base no apelo do Papa Francisco, refletimos sobre os vários textos relativos ao caminho sinodal e sobre as nossas experiências de vida como cristãos comprometidos e percecionámos como se insere o nosso trajeto de fé na vida da Igreja.
Consideramos, deste modo, quatro pontos agregadores das experiências partilhadas e que foram matéria de reflexão na equipa:
1 – O que recebemos da Igreja que nos manteve fiéis, assumindo o passado e permitindo sonhar o futuro?
– O papel ativo que alguns de nós tivemos em vários movimentos da Igreja, com destaque para a formação e experiência vividas na Acção Católica.
– O privilégio que alguns casais tiveram por integrarem paróquias profundamente influenciadas pelo Concílio Vaticano II, o que proporcionou um forte envolvimento com toda a comunidade. Foram muito boas experiências de participação. Por exemplo, um pároco que chamava os fiéis para a preparação de homilias e comentários ao Evangelho, para a organização de conferências e de debates sobre assuntos diversificados e formadores…, ou um bispo que assegurava a substituição do pároco quando necessário.
– A participação de alguns de nós em encontros ecuménicos com outras confissões religiosas, incluindo em celebrações de outras igrejas cristãs.
– A catequese, que por nós foi vivenciada de forma muito variada, tal como foi e vai sendo vivida pelas nossas diferentes famílias, embora em alguns casos não tenha sido apelativa ou nem sequer positiva, quando não foi devidamente orientada para o Amor de Deus e para o apelo do Evangelho como Boa Nova.
– O acompanhamento de adolescentes e jovens em “grupos de vida” foi marcante para os nossos filhos e para nós próprios, enquanto responsáveis por tais atividades.
– A participação em ações com excluídos e refugiados.
– O trabalho no seio das ENS foi muito positivo. A equipa esteve envolvida na realização e promoção de várias ações, nomeadamente na formação, em retiros e em funções diversas no âmbito do Movimento.
– Resumindo, é fonte de imensa alegria experimentar uma Igreja viva!
2 – Que experiências influenciaram negativamente a nossa caminhada na Igreja?
A Igreja mexeu-se, mas a estrutura manteve-se. A aspiração do Vaticano II teve consequências muito positivas, mas muitas das mudanças esperadas não aconteceram. Resultou, assim:
– Considerar Deus como merecendo tudo e sempre mais é um convite de Amor. Porém, a liberdade que Jesus nos trouxe não permite que o Amor de Deus se torne em obrigação ou em perda de alegria;
– A tradição desviou-se do Evangelho, ao adotar uma atitude de poder e opulência nos templos e nas cerimónias;
– Persiste a ostentação e a centralidade do poder, quer em dioceses, quer em paróquias. Muitos sacerdotes imaginam-se donos e não servidores;
– Muitas estruturas paroquiais são espaços de exercício burocrático, em vez do acolhimento que seria de esperar;
– Muitos sacerdotes apresentam-se com uma formação deficiente para lidar com os problemas humanos, valorizando mais a forma do que o conteúdo. As normas e regras assumem grande rigidez. Em muitas paróquias, tomam o lugar da alegria e da esperança, levando muitos fiéis a abandonarem as suas comunidades naturais ou, até, a prática religiosa, sobretudo entre os mais novos, como alguns dos nossos filhos e netos;
– Algumas celebrações são tristes ou, mesmo, insuportáveis quando, em vez da proclamação da alegria do Evangelho e da compaixão de Jesus, se enfatiza o pecado, a obrigação e a culpa;
– Há muita timidez na abertura à novidade e à diferença, como é, por vezes, o caso de ações propostas pelos jovens ou quanto à participação de LGBT na vida como cristãos;
– Continua a ver-se que apenas a hierarquia fala em nome da Igreja, apesar de o Papa ir nomeando responsáveis leigos para atividades que eram reservadas a eclesiásticos;
– O celibato dos sacerdotes, que continua a ser obrigatório, não ajuda a ligação entre o sacerdote e o povo de Deus, nomeadamente, quanto ao apoio às famílias;
– A Igreja e os crentes têm sofrido muito com a multiplicidade de casos de pedofilia, que diminuem, limitam a confiança no sacerdócio;
– As mulheres continuam a ter um papel secundário, apesar de o Papa as vir nomeando para cargos de responsabilidade na Igreja e de haver muitos exemplos do seu exercício na animação de comunidades sem clero, por exemplo em países muçulmanos;
– Muitos sacerdotes, não aceitando, aparentemente, a pessoa com as suas realidades e limitações, levam os cristãos a sentirem-se presos na sua situação de pecadores, não os levando a descobrirem a misericórdia de Deus e a alegria da conversão;
– A linguagem oficial da Igreja apresenta-se, em muitos casos, desfasada da realidade, por exemplo, assumindo a eterna dificuldade em lidar com a sexualidade de uma forma aberta e saudável, o que a vai afastando, cada vez mais, do mundo atual;
– A procura do sacramento do Matrimónio vai, consequentemente, diminuindo, já que a exigência de pureza é fonte de sentimento de culpa permanente, em oposição à liberdade consciente do Amor;
– A forma de acolher os divorciados e recasados, nomeadamente no que respeita à Eucaristia, necessita de ser mais aberta e conhecida, de forma a permitir-lhes viver o Evangelho com alegria, na plenitude do amor de Deus;
– A Igreja não se empenhou o suficiente para fazer a sociedade aceitar e assumir as exigências de justiça que a sua doutrina social preconiza, nem incitou decididamente os leigos para a sua promoção;
– Apesar de tantas e tantos consagrados dedicados aos pobres, doentes, incapacitados, desfavorecidos, a falta de atenção à realidade da injustiça social tem conduzido a que não se responda devidamente à marginalização, inclusive, na classe dos trabalhadores.
3 – Para que a Igreja de Jesus fale às mulheres, homens e jovens do nosso tempo, o que é necessário alterar?

– Os cristãos precisam de uma Igreja mais aberta e acolhedora, mais responsabilizante e empenhada, bem centrada na alegria da Boa Nova de Jesus, em que as celebrações sejam formativas, festivas e atraentes, capazes de nos convocar, ajudando-nos a fazer, em conjunto, o caminho para Deus.
– Fazer do Amor e Misericórdia de Deus a centralidade da vida cristã, assumindo que a pessoa, apesar de limitada, não pode ficar reduzida à culpabilidade e ao pecado; antes, pode caminhar com humildade e contrição, com alegria e entusiasmo em direção a Deus que é a perfeição e nos chama essencialmente ao Amor.
– É preciso um novo paradigma da formação dos presbíteros, de modo a ajudá-los a perceber qual a sua missão ao serviço das comunidades e como acompanhá-las, integrando-se e participando com os fiéis.
– Todos os batizados, nomeadamente as mulheres, devem ser envolvidos nesta formação, dando testemunho de vida, empenhados na família e na sociedade, tal como necessitam, também eles próprios, de formação continuada.
– A catequese e a formação de jovens devem ser preocupação responsabilizante das comunidades que procurarão transmitir-lhes a perceção do chamamento de Deus, a mensagem de Amor e Vida do Evangelho e a dimensão de pertencermos todos, em Comunhão, à Igreja de Cristo.
– É necessário encarar de forma frontal as questões relativas ao papel da mulher na vida da Igreja, em todos os seus âmbitos e dimensões – não há dois batismos na Igreja: um para os homens e outro para as mulheres!
– O acesso aos sacramentos deve ser marcado pelo acolhimento da Igreja, que convoca os fiéis para o Amor.
– O Amor de Deus abrange todos. Importante mesmo é tentar descobrir formas novas, experiências novas que iluminem o caminho, que nos ajudem a perceber que a Graça dos Sacramentos é um dom de Deus!
4 – O que nos comprometemos a tentar fazer.
Aqui chegados, é importante não ficar agarrados a fórmulas e achar que “já cumprimos”. Este momento tem de ser assumido como um ponto de partida e não de chegada. Estamos a caminho e, como alguém afirmou na equipa, é preciso “tirar da nossa vida a preguiça, mas também a ansiedade. É preciso ter em conta o imprevisto da vida”.
– Somos todos avós, circunstância que nos alerta para uma atenção especial à questão colocada pelo Papa Francisco sobre a relação entre gerações. A escuta que vimos realizando com filhos e netos é uma tarefa que nos propomos continuar.
– Atentos, em geral, ao risco de cavar fossos entre gerações, procuraremos aproveitar todas as oportunidades para encaminhar para o bem outros mais jovens, respeitando as diferenças e sabendo ler os sinais dos tempos.
– Procurar-se-á utilizar a escuta para promover o diálogo em quaisquer ações que consigamos empreender.
– Dar atenção às periferias, sobretudo aos que estão mais próximos de nós, encarar a pobreza e os pobres, reconhecer o nosso supérfluo e estar atento à utilização do dinheiro são desafios a que pretendemos responder.
– Olhar os outros com amor, como Igreja que somos, procurando descobrir quem é e de que precisa o nosso próximo, tentando seguir o exemplo do Bom Samaritano.
– Procurar ser mais proativos na abordagem aos sacerdotes, sempre com uma atitude fraterna e de sentido de ajuda, dialogando, pondo dúvidas, fazendo críticas e elogios, por exemplo, no fim das celebrações.
– Contribuir para uma cultura de encontro que estimule a construção da comunidade em torno da oração, da formação e da ação, estando atentos aos sinais dos tempos.
– Para um efetivo caminho sinodal, estar em disponibilidade e empenhamento no serviço da Igreja e da sociedade.
– Respondendo aos apelos do Papa Francisco e do mundo em que vivemos, reforçar e alargar a nossa participação, responsabilidade e compromisso na proteção do ambiente. Se tantos milhões de cristãos agirem, certamente o nosso mundo será uma melhor herança para as novas gerações.
– Queremos ser parte ativa na Vida que Deus nos oferece e “descolar” para coisas novas.
Maio de 2022.
Alice e Jorge Duarte Pedro
Lisete e Fernando Fradique
Luísa e Luís Santos Pereira
Maria Antónia e Pedro Pereira Bastos
Maria do Céu e José Figueiredo Marques
Maria Odete e Luís Ferreira da Silva