
O presidente e os membros do conselho permanente da CEP: “Tolerância zero” para com abusadores, promete o episcopado. Foto Ecclesia/MC
Os abusos sexuais cometidos por membros do clero português são “crimes que podem ter estado na origem de dramas e sofrimentos incomensuráveis que marcaram vidas inteiras”, é “uma ferida aberta que nos dói e nos envergonha”, disse o bispo de Leiria-Fátima e presidente da Conferência Episcopal Portuguesa (CEP, José Ornelas, na primeira declaração sobre o relatório da Comissão Independente (CI) para o Estudo dos Abusos Sexuais de Crianças na Igreja Católica em Portugal.
Falando nesta tarde de segunda-feira, na Universidade Católica Portuguesa, em Lisboa, o presidente da CEP estava acompanhado pelos restantes membros do conselho permanente da CEP, os bispos de Coimbra (vice-presidente), Braga, Évora, Lisboa, Porto e Santarém, além do secretário. Ornelas chegou a emocionar-se quando falou da necessidade de a hierarquia católica se encontrar com as vítimas, escutar as suas histórias e pedir-lhes perdão olhos nos olhos: o perdão “não pode ser simplesmente uma questão de palavras”. Estas “têm o seu lugar, se são autênticas”, disse, respondendo a uma pergunta do 7MARGENS sobre os modos como os bispos podem vir a pedir perdão para além das declarações públicas.
A forma de o fazer está ainda em cima da mesa, para que seja um gesto “comum da Igreja em Portugal”. Na assembleia extraordinária da CEP, de dia 3 de Março, pode ser decidida alguma iniciativa. O bispo confessou já ter falado com várias vítimas: “Sei o que isso significa. São momentos dolorosos mas também libertadores”, quer para a sociedade quer para a Igreja. E acrescentou, dando por instantes lugar à comoção: “Não foram elas [as vítimas] as culpadas disso, não podem viver com essa mácula eterna para a vida.”
Por isso, o bispo Ornelas reafirmou o seu pedido de perdão “a todas as vítimas: às que deram corajosamente o seu testemunho, calado durante tantos anos, e às que ainda convivem com a sua dor no íntimo do coração, sem a partilharem com ninguém”.
Numa declaração inicial lida aos jornalistas, o presidente da CEP assegurou que a CEP irá “analisar detalhadamente o relatório final deste estudo” para depois encontrar “os mecanismos mais eficazes e adequados para fomentar uma maior prevenção e para resolver os possíveis casos que possam ocorrer, com celeridade e respeito pela verdade.” A “tolerância zero” para com os casos de abusos, acrescentou, “tem de ser uma realidade em toda a Igreja e, por isso, não toleraremos abusos nem abusadores” – uma “total contradição” com a identidade e modo de agir da Igreja. E na assembleia de 3 de Março será possível apontar medidas concretas a desenvolver.
Agressores serão avaliados

Ilustração do artista TVBoy, sobre os abusos sexuais. Foto: Direitos reservados
Já no período de respostas aos jornalistas, o bispo de Leiria-Fátima disse que, depois de analisado o relatório e a lista de nomes que a CI irá ainda entregar à Conferência Episcopal, com os padres agressores que estão ainda no activo. “Temos protocolos” para agir em relação a esses casos, explicou: “Se há denúncia, o bispo deve fazer uma investigação sumária para averiguar a sua plausibilidade. Os casos são depois enviados para a Santa Sé, que tem mecanismos de averiguação”. Ao mesmo tempo, acrescentou, são enviados ao Ministério Público. A mesma lógica será seguida em relação a eventuais casos de encobrimento: “Não antecipo cenários sem saber do que se está a tratar”, afirmou. “Os casos têm de ser confirmados, do ponto de vista de investigação criminal, e este não é um processo acabado, mas apenas iniciado, em boa hora e com competência, pela CI”.
Sobre a próxima Jornada Mundial da Juventude (JMJ) em Lisboa, o presidente da CEP disse que “hoje não se faz nenhum evento para jovens e adolescentes” sem que o tema dos abusos esteja presente. Isso significa que o tema não deixará de ser reflectido na JMJ de Agosto em Portugal.
Na intervenção inicial, o presidente da CEP recordou o processo que levou os bispos a decidir criar a CI, em Novembro de 2021. “Motivou-nos a certeza comum, entre todos os bispos, de que menores e pessoas frágeis têm de sentir protecção e segurança nos ambientes da Igreja Católica, como nos pede insistentemente o Papa Francisco. Hoje, eis-nos chegados à conclusão de uma importante etapa que nos permite conhecer, de forma mais sistematizada, esta dolorosa realidade.”
Ao contrário do que foram as declarações de vários bispos, desvalorizando o fenómeno, o bispo de Leiria-Fátima foi assertivo ao reconhecer que o relatório da CI exprime “uma dura e trágica realidade: “houve, e há, vítimas de abuso sexual provocadas por clérigos e outros agentes pastorais, no âmbito da vida e das atividades da Igreja em Portugal.”
Dirigindo-se às vítimas, o bispo disse ainda: “Nas vossas vidas atravessou-se a perversidade onde não deveria estar. O vosso testemunho é para nós um alerta e um pedido de ajuda a que não queremos nem podemos ficar surdos. Temos consciência de que nada pode reparar o sofrimento e a humilhação que foram provocados, a vós e às vossas famílias, mas estamos disponíveis para vos acolher e acompanhar na superação das feridas que vos foram causadas e na recuperação da vossa dignidade e do vosso futuro.”
Na sua declaração, o bispo falou de “crimes hediondos” e pediu desculpa por a hierarquia da Igreja não ter “sabido criar formas eficazes de escuta e de escrutínio interno” e por nem sempre ter “gerido as situações de forma firme e guiada pela proteção prioritária dos menores”.
José Ornelas agradeceu ainda à CI e ao seu coordenador, Pedro Strecht, mas defendeu que “a vida da Igreja em Portugal não se encerra” na questão dos abusos. “Há muitas pessoas e instituições eclesiais a dedicar-se aos mais frágeis, aos mais necessitados e aos mais pobres, e a realidade dos abusos não pode fazer esquecer o imenso bem, tantas vezes silencioso, de sacerdotes, religiosos/as e leigos/as empenhados em tantas situações, a quem queremos dar uma palavra de conforto e coragem.”
Gostaria, ao terminar, de dirigir uma palavra ao Dr. Pedro Strecht que aceitou o nosso convite e desafio para coordenar este estudo. A ele e à sua equipa, que constituiu de forma totalmente livre e autónoma, agradeço o trabalho desenvolvido ao longo do último ano. A vossa competência, dedicação e profissionalismo permitiram que, dentro do prazo previsto, chegássemos hoje a um conhecimento mais concreto da verdade histórica dos abusos sexuais de menores no seio da Igreja em Portugal.