
Fiéis ingleses já fizeram a sua síntese. Foto © Du Ryo | phhere
A corresponsabilidade entre todos os batizados no governo da Igreja, a valorização do papel da mulher, uma maior atenção aos grupos até agora marginalizados e uma reorientação das prioridades pastorais são alguns dos pontos mais significativos da síntese nacional da Igreja na Inglaterra e em Gales divulgada no sábado, 25 de junho.
Mas se estes aspetos da reforma desejada pelos mais de 30 mil católicos que participaram na reflexão sinodal são semelhantes aos retidos nas sínteses nacionais de outras igrejas, já o sentimento de serem uma Igreja ferida é algo novo neste tipo de documentos e neste assim descrito: “A Igreja está gravemente ferida na sua capacidade de agir segundo a sua própria missão, de deixar a sua bondade resplandecer e viver a sua vida de uma maneira que expresse a beleza da fé. Existe um sentimento profundo de que a Igreja precisa de cura e de conversão para viver a sua própria natureza e a sua missão em verdade.”
Essa ferida tem origem no excesso de clericalismo, nos abusos sexuais e no seu encobrimento, na incapacidade de aproveitar e promover os dons das mulheres e por ter mantido à margem largos grupos de pessoas. E nestes grupos marginalizados incluem-se as mulheres mas também os jovens, as pessoas LGBTQ+, os divorciados recasados, os ciganos, as pessoas de cor e aquelas com necessidades especiais e os tradicionalistas.
Copiando aquilo que os bispos franceses decidiram, esta síntese nacional de 27 páginas será enviada para o secretariado do Sínodo dos Bispos no Vaticano, juntamente com um documento que os bispos de Inglaterra e Gales vão elaborar durante a reunião plenária que estão a realizar ao longo desta semana.
Proximidade e companhia para superar o clericalismo
O peso e o imobilismo do clericalismo é denunciado “em quase todos os documentos recebidos”, lê-se na síntese nacional que acrescenta “a resistência de uma parte do clero ao processo sinodal é assinalada em muitos relatórios”, com uma particularidade muito inglesa: “Menção especial é feita à desconfiança de alguns ex-padres anglicanos que lembraram experiências negativas de governança de estilo parlamentar-sinodal da Igreja da Inglaterra [Anglicana], com suas moções e votos, grupos de pressão e campanhas, que não são fáceis de esquecer.”
Tendo presente esses excessos, a síntese recorda as frequentes referências ao facto de que “muitas vezes a Igreja não é acolhedora para pessoas específicas, ou para novas ideias e inspirações”, constatação a que se contrapõe o “apelo constante para que a Igreja incorpore o amor incondicional de Deus que a todos abraça, tanto ao que é diferente como aos marginalizados”.
De igual modo, “o desejo de que as igrejas sejam lugares de proximidade é uma característica marcante dos relatos, expresso na palavra bem-vindo, juntamente com palavras relacionadas como integração e inclusão”.
De acordo com a interpretação deste documento feita por The Tablet em notícia publicada no dia 25 de junho, “a síntese enfatiza que um futuro melhor para a Igreja na Inglaterra e no País de Gales só será possível através da ‘arte de acompanhar’, em que leigos, religiosos, clérigos e bispos trabalham juntos, nos seus diferentes papéis, como ‘discípulos missionários’ movimentando-se em estruturas sinodais como os conselhos pastorais paroquiais”.
Ouvir e identificar novos horizontes
Muito importante também foi o método utilizado pela equipa nacional que redigiu a síntese a partir de mais de 700 páginas de contribuições. Como explicam os próprios na introdução ao documento: “Procurámos captar notas comuns encontradas nos relatórios, bem como notas minoritárias ou visões marginais, que ocorrem com frequência suficiente para serem dignas de menção. Demos atenção a elementos surpreendentes ou marcantes, sobretudo quando as opiniões nos pareciam particularmente sinceras; e, sempre que possível, procurámos usar citações de frases dos relatórios para captar as ‘joias’ que o Espírito quis oferecer à nossa Igreja através da voz dos fiéis de Deus nestas ilhas.”
Tais preocupações em permanecer fiel ao conteúdo dos documentos recebidos, determinou que: “Ao procurar sintetizar sem fazer julgamentos teológicos, praticámos o discernimento pela escuta e pela oração, refletindo sobre os contributos diocesanas. Este processo permitiu-nos identificar (…) os novos horizontes que vemos o Espírito abrir para a nossa Igreja através da via sinodal.”
E na última página da síntese, dedicada a umas sucintas conclusões, resumem-se esses “novos horizontes” para a Igreja Católica na Inglaterra e em Gales: “O que se espera e exige é uma mudança da cultura e das mentalidades que permita a todo o Povo de Deus ‘ser a Igreja’”, convite que “se é feito por igual a todos, exige de quem tem autoridade um compromisso que o facilite e potencie através de reformas concretas”. Mas se as autoridades eclesiais têm um papel específico a cumprir, “a responsabilidade de conversão não pode ser delegada a determinados grupos ou autoridades, mas deve ser assumido por todos em resposta aos dons que o Espírito já derramou sobre todos os fiéis (..). Espírito que nos pede para ouvir e responder sem esperar por esta ou aquela mudança ou nova estrutura, confiante de que, ao despertar à nossa coresponsabilidade, as reformas se seguirão – na verdade, se tornarão a própria reforma.”