
“As estações demoram-se nas folhas, nas suas cores ou na sua completa ausência. Esta janela lembra-me sempre uma família muito querida que vive em Lisboa e que também tem janelas-árvores.” Foto © Inês Patrício
Uma janela, na nossa casa, lembra-me sempre que o tempo não passa tão depressa como parece. As estações demoram-se nas folhas, nas suas cores ou na sua completa ausência. Esta janela lembra-me sempre uma família muito querida que vive em Lisboa e que também tem janelas-árvores.
Esta janela lembra-me, especialmente no inverno, que para lá das árvores e das estações, existem pequenas casas-contentores, todas semelhantes, com gente deslocada, provavelmente à espera de uma casa-casa, de uma vida melhor. Gente de quem nada sei.
Desde que nos mudámos para Berlim que ouvimos as crianças a brincar ali. As crianças são quem nos diz, mais claramente, que somos todos muito mais iguais do que às vezes nos dá para pensar. No Inverno vemos, com o cair das folhas, um pouco mais. Exteriormente a vida passa-se como em qualquer outro conjunto de casas. Mas não são um conjunto qualquer de casas, sabemos. Casas temporárias para pessoas deslocadas. Muitos refugiados. Quantas histórias? Lemos que, inicialmente, ali estava previsto ficarem dois anos, depois seria contruído um centro escolar. Os dois anos, claro, foram-se tornando em mais
Penso muitas vezes nas mulheres. Porque quando um dos pais não trabalha, as crianças só recebem o apoio, normal da cidade, para ir para um infantário, a partir dos três anos. Facilmente se gera um ciclo em que as mulheres vão ficando em casa, com os filhos, tornando ainda mais difícil a aprendizagem da língua e a obtenção de um trabalho. Conheço uma professora que ensina alemão a estas mulheres, os filhos pequenos também estão na aula. É tudo mais lento, há muita frustração e muitas dificuldades. Dói-lhe, mas ela insiste. Que outra hipótese terão aquelas mulheres?
Àquela janela muitas vezes pensei: como seria bom ver isto ser desmontado, ser construída uma escola. Nesse dia, se ainda aqui estiver, ficarei feliz. As diversas “crises” de refugiados estarão saradas. As pessoas estarão bem, em segurança, onde escolherem viver. Aqui, nos seus países, onde for. Elas estarão bem.
Agora estranhei. Tudo muito quieto. Ninguém. Alguns móveis cá fora. Fui pesquisar. Uns dias depois as máquinas chegaram e confirmaram o que eu tinha lido. Pessoas realocadas, campo desmontado. Será construída a escola. Entristeci-me. Como poderia ser? Não é nada do que eu tinha imaginado. Bem sabemos que nada está resolvido, bem sabemos que cada vez há mais gente a chegar. Onde foram as pessoas? Provavelmente para algum sítio mais longe, mais escondido, onde o chão não seja desejado, não esteja planeado, para nós, os que neste tempo temos sorte.
Aquelas pessoas foram embora. Gente de quem nada sei.
Esta janela lembra-me esta, e outras, ignorâncias minhas.
Inês Patrício é médica, vive em Berlim com o marido de olhos de mar e uma filha solar.