
“Desde muito jovem que Manuela Silva se preocupou com as questões económicas e sociais, colocando-as ao serviço da humanidade. Daí a importância concedida às temáticas da pobreza e da injustiça, dois grandes pecados dos quais nos considerava responsáveis.” Foto: Manuela Silva na noite do doutoramento honoris causa no ISEG, a 21 de Junho de 2013. © António José Paulino.
No dia passado dia 11 de Novembro reuniram-se no ISEG familiares, admiradores, colaboradores e amigos de Manuela Silva, prestando-lhe homenagem através do lançamento de um livro onde a sua acção foi lembrada em múltiplas vertentes – social, política, espiritual e profética.[1] Economista de profissão, ela colocou todo o seu saber, a sua energia e os seus interesses ao serviço de uma causa: construir um mundo melhor e mais justo, onde todos e todas conseguissem viver plenamente a sua dignidade de pessoas, ao mesmo tempo que respeitavam a Terra onde lhes foi dado viver.
Desde muito jovem que Manuela Silva se preocupou com as questões económicas e sociais, colocando-as ao serviço da humanidade. Daí a importância concedida às temáticas da pobreza e da injustiça, dois grandes pecados dos quais nos considerava responsáveis. Também se interessou pelo papel que as mulheres deveriam desempenhar na construção de um novo conceito de cidadania, uma temática que analisou em Caminhos e Atalhos para uma Sociedade Inclusiva [2], um livro em que se debruçou sobre a igualdade de género nas políticas públicas. Nele defendeu a participação das mulheres no poder político, numa tentativa de corrigir as desigualdades vigentes e propondo soluções que não tomassem como referência a norma masculina. No que respeita a esta temática escreveu sobre a importância de percebermos que a prossecução da igualdade de género não é um problema especificamente feminino mas globalmente social – trata-se de uma luta que todo(a)s têm a obrigação de desenvolver em prol da protecção dos direitos humanos.
Nos últimos anos da sua vida as causas ecológicas desempenharam um papel de relevo. Chamando outras pessoas a partilhar estes interesses, a aprofundá-los e a escrever sobre eles, a Manuela criou a Fundação Betânia.
Esta surgiu como um espaço de encontro e de partilha, enfatizando o objectivo essencial de uma realização harmoniosa do ser humano. Tendo como cenário uma paisagem deslumbrante (Azóia – Colares), cada pessoa era convidada a encontrar-se com os outros, com a Natureza e com o Absoluto. Com a criação deste espaço de meditação e de convívio, Manuela Silva apostou em estilos de vida diferentes, onde o Ser tem primazia sobre o Ter e onde se fomentam a simplicidade de vida, a gratuidade e a disponibilidade.
O hedonismo e o individualismo são relevantes no modus vivendi das sociedades tecnicamente mais avançadas. Na Fundação Betânia pretende-se estimular a procura de uma vida simples, em que todos se sintam partes da Natureza e a respeitem, sem por isso abdicar de uma fruição da mesma – um clima que ainda hoje se mantém, cimentado em vivências partilhadas. Atenta à beleza na Terra, Manuela Silva foi também sensível à sua presença na vida social, assente na diferença entre as pessoas e as culturas. E procurou relevar a dimensão criativa de cada um e de cada uma, rentabilizando os seus diferentes talentos.
Presentemente a Fundação Betânia é membro fundador da Rede Cuidar da Casa Comum, outro empreendimento que Manuela Silva nos legou, inspirada pela encíclica Laudato Si’. Este escrito do Papa Francisco constituiu para ela um novo desafio, alertando-a para a responsabilidade que todos e todas temos pelo cuidado da Terra.
Através desta Rede a presença de Manuela Silva continua a fazer-se sentir nos nossos dias, dinamizando-se através da criação e actuação de diferentes Focos Ecológicos espalhados por todo o país. Uma das maiores preocupações da Rede tem sido insistir na necessidade de uma educação e de uma espiritualidade ecológicas. Daí a publicação de obras sobre esta temática e o acolhimento aberto a sócios e não sócios que se proponham aprofundá-la e divulgá-la através de sessões de esclarecimento, de encontros e de escritos.
Uma das ideias chave da encíclica Laudato Si’ é o reconhecimento de que os habitantes deste planeta têm direito à felicidade, usando comedidamente os bens da terra. Há que criticar o actual paradigma económico e financeiro que sobrevaloriza o dinheiro e desrespeita o trabalho humano. É nosso dever inventar um novo modelo civilizacional onde o dinheiro e o lucro não constituam valores e onde a mentalidade de consumo seja substituída pela promoção do serviço aos outros.
Na etapa final da sua vida Manuela Silva foi a grande animadora destes Focos, levando a mensagem da Laudato Si’ a diferentes zonas do país onde promoveu sessões de apresentação da Rede, numa colaboração com câmaras, com juntas de freguesia e com as populações locais, de modo a alterar comportamentos e a promover uma maior vivência de uma ecologia integral. Esta actividade deu fruto, pois os Focos de Conversão Ecológica têm-se multiplicado.
Na passada homenagem do dia 11 de Novembro, colegas, amigos e amigas da Manuela deram testemunho do muito que com ela aprenderam.
Pensamos que a melhor maneira de manter viva a sua memória é seguir os objectivos enunciados no site da Rede, conferindo um especial relevo àquele que nos propõe: “acompanhar, no espaço eclesial, as questões ecológicas de âmbito nacional e mundial, evidenciando as suas causas e consequências e equacionando-as à luz da encíclica Laudato Si’, de modo a promover a tomada de consciência colectiva acerca da sua relevância e urgência.”
[1] Carlos Farinha Rodrigues, José Manuel Zorro Mendes, Manuel Brandão Alves (coord.), O Legado de Manuela Silva. Um desafio para o futuro, Coimbra, Almedina, 2022.
[2] Manuela Silva, Caminhos e Atalhos para uma Sociedade Inclusiva, Lisboa, Comissão para a Igualdade e para os Direitos das Mulheres, 1999.
Maria Luísa Ribeiro Ferreira é professora catedrática (aposentada) de Filosofia da Faculdade de Letras de Universidade de Lisboa.