
Capa de A Tarde do Cristianismo, de Tomáš Halík: o livro inspira parte deste curso.
A crise actual do cristianismo diz respeito, “em grande parte, à ‘forma’ eclesial, ao modo de proceder comum, ao estilo eclesial”. Partindo desta ideia, o padre jesuíta José Frazão Correia e a revista Brotéria propõem, a partir desta terça-feira, 17 de Janeiro, e durante três dias, um curso sobre “A crise actual do cristianismo e a forma futura da Igreja”.
“A forma que herdámos do último milénio (gregoriana-tridentina-romana) deixou de funcionar e isso já ficou bastante claro no Concílio Vaticano II [1962-65]”, diz José Frazão Correia ao 7MARGENS. É a “na qual ainda nos compreendemos e com a qual continuamos a edificar a Igreja”, mas que “perdeu grande parte da sua força espiritual e não consegue enquadrar outras interrogações e buscas espirituais do nosso tempo”. E que depois do Concílio “só se agravou, na medida em que ainda não fomos capazes verdadeiramente de dar corpo ao espírito conciliar”.
Isso acontece – acrescenta o ex-provincial da Companhia de Jesus em Portugal e acual director da Brotéria e do centro cultural com o nome da revista – porque essa forma “deixou de ser identificável por muitos como ‘vivível’ (sem alcance existencial) e porque a sua visibilidade deixou de testemunhar claramente a acção do Espírito a agir o Reino”, ou seja, porque não tem “alcance profético na cultura presente”.
Daí que outro ponto de partida para este curso seja o livro de Tomáš Halík, A Tarde do Cristianismo (Paulinas Editora), do qual o 7MARGENS publicou alguns excertos na altura da sua edição em Portugal.
No livro, o teólogo checo defende que “O futuro das igrejas depende em grande parte de se, quando e em que medida elas entenderão a importância desta mudança [de época] e de como poderão responder a este sinal dos tempos”. E acrescenta: “O estado em que se encontra a Igreja Católica contemporânea em muito se assemelha àquela situação anterior à Reforma [protestante]… A imagem das igrejas fechadas e vazias durante a pandemia de coronavírus foi para mim um profético sinal de alarme: em breve, este poderá muito bem ser o estado permanente da Igreja se ela não passar por uma profunda transformação.”
De facto, como tem insistido o Papa Francisco, “vivemos uma mudança de época e não, simplesmente, uma época de mudança” e essa perspectiva, diz o padre Frazão Correia “conduz ao questionamento sobre essa forma eclesial, plausível (‘vivível’) e reconhecível (visível) de se ser cristãos, hoje” e de “como viver, identificar e comunicar a experiência comunitária – não apenas individual – da fé cristã no coração da pós-modernidade?”
O que está em causa, considera o orientador do curso, “diz respeito ao que significa ser cristãos: como nos reconhecemos entre nós enquanto cristãos (para lá da experiência subjectiva de cada um ou do registo identitário ‘político-cultural’) e como somos reconhecidos fora enquanto cristãos”.
Trata-se, então, de edificar uma “forma” de Igreja que realize, hoje, a “força” do Espírito. “Não basta evocar a força espiritual do cristianismo, é preciso dar-lhe forma”, pois “a fé nunca é só uma questão pessoal e íntima”, mas também é sempre “eclesial e corpórea”.

Para encontrar caminhos, o padre José Frazão socorre-se dos quatro traços “enformadores” de uma nova forma de cristianismo com futuro, propostos por Halík: a Igreja como povo de Deus na história; a Igreja como escola de vida e de sabedoria; a Igreja como hospital de campanha; e a Igreja como lugar de encontro e de diálogo. Mas refere também a teóloga italiana Stella Morra, que no livro Deus Não Se Cansa (Editorial AO) apresenta a “misericórdia” como categoria capaz de enformar uma nova forma eclesial.
“Para voltar a pôr em justa tensão forma e força, não basta boa vontade e apelar a bons desejos”, diz ainda José Frazão Correia. São necessárias “outras práticas comuns-eclesiais”. E acrescenta: “A questão creio estar aqui: nas práticas que geram novas formas, partindo de outras categorias generatrizes-enformadoras, porque as da ‘ordem’, da ‘autoridade’, da ‘sacralidade’ ou da ‘hierarquia’, que regeram a forma eclesial durante um milénio, deixaram de ser significativas e fecundas no nosso quadro cultural secular e plural.”
No seu itinerário, o curso pretende, no primeiro momento, apresentar o diagnóstico de Halík sobre a crise, enquanto fim de uma era para a Igreja, recorrendo também a autores como Michel de Certeau, Ghislain Lafont e Elmar Salmann. Discutirá, no segundo dia, a força profética desse “sinal de alerta” a partir dos traços herdados do Concílio Vaticano II; e procurará entrever traços promissores de outra forma eclesial que seja capaz de realizar a força do Evangelho num contexto cultural plural e secular e de um cristianismo “em busca de um novo lar”.
As três sessões do curso decorrem das 19h às 20h30, nas instalações da Brotéria em Lisboa, na Rua São Pedro de Alcântara, 3. Podem encontrar-se mais informações na página digital do Centro Cultural Brotéria.