
Rita Lee ao vivo em Araçatuba no dia 23 de maio de 2009 Foto © Marco Senche / Wikimedia Commons
Há muitos anos, já não sei bem quando, comecei a ouvir Baila Comigo, de Rita Lee, como uma oração. Para mim é claro que a expressão “se Deus quiser”, com que a canção começa e se torna bordão a abrir algumas das estrofes, não é um mero coloquialismo e que essa evocação do divino acaba por contaminar todo o texto. Trata-se de um poema cheio de evocações da morte, mas sempre numa perspectiva da alegria e da felicidade. Como não associar o “eterno domingo” ou “na Primavera […] brotar da terra” à ressurreição cristã? Como não pensar naquele “esconderijo” como uma referência ao recolhimento que todas as grandes tradições religiosas exaltam como via para a paz interior?
Mas a grande força da canção é o baile e os banhos de sol. Como na tribo, com o desejo de ser índio afirmado logo de início. Ou seja, um mergulho nesse mar profano a que o Ocidente convencionou chamar de pagão, com suas práticas fora das normas. A chave para perceber isto pode estar num outro êxito, muitos anos posterior, onde a cantora faz um exercício quase heraclitiano de aparentes opostos, dualmente conotados com “amor e sexo”. “Amor é cristão/ Sexo é pagão […] Amor é divino/ Sexo é animal” – nesta lógica, amor e sexo, tal como os seus atributos, não se opõem mas complementam-se.
Para mim, a alegria contagiante de Rita Lee transborda de esperança. Uma esperança que, independentemente dos formalismos teológicos com que possam colidir, não consigo deixar de associar à Esperança cristã em que creio. E é essa Esperança que agora me faz imaginar a rainha do rock brasileiro a entrar “de camarote” na glória de Deus.
Rui Almeida é poeta