Uma outra revolução sexual

| 18 Set 2023

Casal, Sexualidade

“A criação do homem e da mulher «à imagem e semelhança de Deus» representa o cume da criação na sua bondade e beleza.”

 

Um pouco por todo o lado, ouvem-se vozes a sugerir mudanças no âmbito da ética sexual católica. Nota-se a vontade de “atualização”, no sentido de adaptação à mentalidade e práticas correntes, sem a qual qualquer proposta da Igreja neste campo estará condenada à irrelevância. É o que se verifica nas conclusões do chamado “Caminho Sinodal” alemão, mas não apenas.

De alguma forma, parece que só agora chegam à Igreja Católica os reflexos da “revolução sexual” que abalou o mundo ocidental desde finais dos anos sessenta do século passado e que cessam as resistências que desde essa altura (em que também foi publicada a encíclica Humane Vitae de São Paulo VI) ela, talvez mais do que qualquer outra instituição, opôs a essa “revolução”. É certo que as propostas de mudança da ética católica não chegam tão longe como as que surgiram dessa “revolução”, mas não deixam de ser por ela influenciadas.

Trata-se de uma influência muito retardada que, em meu entender, não pode ser vista como sinal de progresso. Ao longo da história, muitas foram as ocasiões em que o bem das pessoas e das comunidades impunha uma resistência ao “espírito do tempo” e a assistência divina que ilumina a Igreja conduziu a essa resistência, com benefícios que se vieram a revelar no futuro.

É o que se tem verificado em relação a esta “revolução sexual”. Nem por acaso, tem sido recentemente destacado, com base em pressupostos que não coincidem com os da moral cristã e católica e se situam antes em certas correntes feministas, como os frutos dessa “revolução sexual”, ao contrário do que muitas vezes se tem proclamado, foram e são maléficos na perspetiva da dignidade das pessoas e do bem da comunidade, sobretudo no que às mulheres diz respeito. Revelam-no dois livros recentes: de Louise Perry, Contra la Revolución Sexual – Una Nueva Guìa para el Sexo en el Siglo XXI (tradução espanhola), La Esfera de los Libros, Madrid 2023; e, de Christine Emba, Rethinking Sex a Provocation; Sentinel, 2022. Neles se afirma, em síntese, que quando se reduz a moral sexual ao respeito pelo consentimento mútuo (como se verifica hoje em muitos programas de “educação” sexual), se deixa o campo livre a muitos comportamentos contrários à dignidade da pessoa porque a reduzem a objeto; que não é aceitável a ideia de que todos os impulsos sexuais são bons e devem ser satisfeitos; que o sexo sem compromisso afeta particularmente as mulheres, por razões biológicas e psicológicas; que o casamento é benéfico também sobretudo na perspetiva do bem da mulher e da maternidade; que a difusão do divórcio (que vai muito para além das situações extremas de violência física ou psicológica) também não protege as mulheres; que o combate contra a violência e o assédio sexuais  não pode assentar apenas na repressão penal e exige a redescoberta de princípios supostamente caducos, como a continência, a integridade e a dignidade.

Há que salientar este aspeto como exemplo da importância de caminhar “contra a corrente” e de não seguir todas as modas quando o exige a coerência com princípios perenes como os que fundam a ética sexual católica.

Importa, sim, saber apresentar esses princípios da forma mais compreensível e na sua autenticidade e beleza. Eles não assentam, contra o que muitas vezes se afirma, numa visão negativa do corpo e da sexualidade (desde logo, porque o cristianismo é a religião da incarnação).

A forma mais completa, rica e bela da exposição da visão cristã da sexualidade é a que consta da “teologia do corpo”, o conjunto de cento e vinte e nove catequeses de São João Paulo II proferidas entre setembro de 1979 e novembro de 1984. Um dos vários resumos desse precioso património pode ler-se no livro de Christopher West, Teologia do Corpo para Principiantes – Uma Introdução Básica à Revolução Sexual do Papa João Paulo II (tradução portuguesa), Paulinas Editora, Prior Velho 2009. Christopher West falou sobre a teologia do corpo em palestras inseridas no programa da Jornada Mundial da Juventude de Lisboa com grande audiência, mas que para muitos terão passado despercebidas no meio de muitas outras atividades.

A teologia do corpo de São João Paulo II leva-nos a contemplar o sentido da corporeidade humana e do plano divino sobre o amor humano na sua expressão sexual. O corpo humano, na sua dualidade masculina e feminina, é sinal desse plano. O corpo humano tem um significado e a dualidade sexual tem um significado. O corpo masculino não tem significado isoladamente, como o corpo feminino não tem significado isoladamente, esse significado decorre dessa dualidade; é um significado esponsal porque apela à doação sincera e total de si mesmo: homem e mulher são criados um para o outro, para se doarem um ao outro. E é essa doação recíproca que gera a vida como fruto do amor.

A criação do homem e da mulher «à imagem e semelhança de Deus» representa o cume da criação na sua bondade e beleza. A doação recíproca que conduz à união do homem e da mulher numa «só carne» é sinal do mistério divino, como realidade visível que permite vislumbrar, de forma analógica e imperfeita, uma outra realidade invisível. Essa comunhão corporal é sinal da entrega e doação de Deus para com a humanidade (e a Escritura com muita frequência recorre à imagem esponsal para exprimir o amor de Deus para com a humanidade). Essa comunhão, também na sua potencial fecundidade, é sinal da eterna comunhão de Pessoas numa doação de amor recíproco e total que é a essência de Deus uno e trino.

Compreende-se, assim, que, no desígnio de Deus, a união sexual deva ocorrer no contexto do casamento (e, para os batizados, do sacramento do matrimónio). Para corresponder a esse desígnio, essa união deva exprimir um amor oblativo (um amor de doação e não apenas sentimental), livre, fiel, total (de corpo e espírito, do presente e do futuro), incondicional e aberto à vida na sua generosidade (porque não se confunde com um egoísmo a dois fechado sobre si).

Nesta perspetiva, a castidade não é repressiva, é libertadora. Trata-se da liberdade perante impulsos que não conduzem à doação de si mesmo, mas ao seu domínio como meios ao serviço dessa doação.

Quando se afirma que a doutrina católica reflete uma visão negativa da sexualidade e que ela deve adaptar-se à mentalidade hoje corrente para superar essa visão, certamente que se desconhece a teologia do corpo de São João Paulo II. Não conheço outra visão que, sem ignorar os limites da natureza humana decaída, valorize o corpo humano e a sexualidade de um modo sequer comparável a este.

A valorização do celibato pelo “Reino de Deus” não assenta na desvalorização da sexualidade e do casamento. Trata-se de uma vocação a uma outra forma (não corporal e mais ampla e universal) de viver a doação esponsal e a fecundidade: um sinal profético da união esponsal do corpo glorioso e ressuscitado com o próprio Deus.

Dir-se-á, porém, que se trata de uma visão sublime, mas muito distante da realidade concreta das pessoas e famílias de hoje. É verdade. Mas quando São Paulo, às primeiras comunidades cristãs, falou da grandeza do sacramento do matrimónio como sinal do amor de Cristo pela sua Igreja, não era menor a distância entre esta visão e a realidade concreta desses tempos. Certamente não se conformou com a mentalidade então dominante (Rm 12,2) e não deixou de apontar para o Alto. Também hoje não devemos conformar-nos com a mentalidade corrente e não devamos deixar de apontar para o Alto, mesmo que este nos pareça distante.  Ou pensar que estamos perante um ideal inatingível e reservado a poucos eleitos.

A teologia do corpo de São João Paulo II é um património doutrinal riquíssimo ainda desconhecido por muitos e não aprofundado e vivido em todas as suas implicações. Há quem fale a seu propósito numa “revolução” (em “revolução woytiliana”), numa outra “revolução sexual”. pela natureza profundamente inovadora da sua visão positiva da sexualidade humana. Não pode ser esquecida e arrumada numa gaveta de antiguidades caducas e ultrapassadas.

 

Pedro Vaz Patto é presidente da Comissão Nacional Justiça e Paz.

 

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