Uma ponte que se agita. Reflexões sobre o sínodo

| 14 Fev 2023

assembleia continental do sinodo em praga, 08.02.2023, foto synod.va

Assembleia continental do sínodo, Praga 08.02.2023: ” Na verdade, neste caminho aberto pelo Papa Francisco, sentiu-se de forma clara o apelo para não se falar por ou em vez de, mas de se falar com. Não falar dos jovens, mas com os jovens, não falar das vítimas de abuso, de todos aqueles que se encontram fora da tenda, mas de lhes dar voz. Mas essa voz que é travessia, não é consensual nem se fez consenso.” Foto synod.va

 

O conto de Franz Kafka, A Ponte, conta a história de uma ponte adormecida, por onde ninguém passava, e que um dia ao ser de novo atravessada, se vira para olhar quem assim a desperta, e inevitavelmente cai. Como a ponte apenas realiza a sua função se for atravessada, o desmoronar-se constitui, afinal, a realização mais radical do seu ser ponte. A assembleia continental europeia do sínodo, que decorreu em Praga, tem no seu logo a imagem da Ponte Carlos, ex-libris da cidade, simbolizando a interação e o caminho de uma igreja sinodal, que se quer ponte.

No dia em que cheguei a Praga, sentia-se no ar a antecipação de um grande momento. Faziam-se os primeiros contactos, cumprimentavam-se amigos e conhecidos, projetavam-se alianças, mediam-se antagonistas. Abraçando com esperança a oportunidade de uma reflexão profunda sobre a estrutura, a missão e a identidade da Igreja, os delegados não deixavam de estar imbuídos por algum receio. De um lado, a esperança do impensável e improvável: uma ponte que se vira para olhar os que a atravessam; de outro, os que manifestavam o receio da mudança. O medo, afinal, de que a viragem signifique desmoronamento.

Participei nas discussões da assembleia continental na qualidade de presidente da Federação Internacional das Universidades Católicas, instituições que por missão e identidade estão na linha da frente de um diálogo com a modernidade, inspirado pelos valores do humanismo cristão. O mandato que levei para a assembleia foi, portanto, o de contribuir com abertura para um diálogo profícuo com os sinais dos tempos, levando as preocupações das comunidades jovens e do mundo universitário, sem querer falar em vez deles ou por eles.   A questão da representação e da voz constituiu aliás um tema recorrente não só das intervenções no plenário como das conversas entre sessões. Dar voz às mulheres, reconhecer o seu contributo social e sacramental para a missão da Igreja; reconhecer protagonismo aos jovens; praticar uma inclusão radical de todos os batizados subsume o apelo real a uma conversão da cultura da Igreja (Documento da Etapa Continental, 60). Tornar a própria participação na assembleia a manifestação concreta da exigência de uma representação renovada, ficou bem evidente no modo como a larga maioria das delegações deu prioridade à voz das mulheres e dos jovens para a apresentação das sínteses nacionais. De fora, com um silêncio que também teve voz, como referiu o presidente do caminho sinodal na Alemanha, o Bispo Georg Baetzing, ficaram as vítimas de abuso.

Na verdade, neste caminho aberto pelo Papa Francisco, sentiu-se de forma clara o apelo para não se falar por ou em vez de, mas de se falar com. Não falar dos jovens, mas com os jovens, não falar das vítimas de abuso, de todos aqueles que se encontram fora da tenda, mas de lhes dar voz. Mas essa voz que é travessia, não é consensual nem se fez consenso.

Nos trabalhos de grupo, sentiu-se uma clara evolução desde a polarização do primeiro dia ao início de um esclarecimento ao terceiro e quarto dias. O diálogo exige tempo, exige a coragem de tentar compreender a posição do outro. De perceber, o quadro teológico e sociopolítico que enquadra pelo menos duas identidades cristãs em tensão. De um lado, situam-se as comunidades da Europa liberal do Ocidente, que se organizam em torno de uma identidade que se constrói por alargamento ao exterior, por integração cosmopolita do diferente que observa como desafio e riqueza. De outro, situa-se uma Igreja que resistiu pelo martírio e que emergiu da repressão. Desta experiência política emerge uma identidade defensiva. Caracteriza-se por sentir a contaminação pelo diferente como questionamento da comunidade de fé e valores que lhe dá um propósito comum, que é também político, social e cultural. O trabalho sinodal assenta numa metodologia que quase nenhum dos delegados estava naquele momento preparado para concretizar, porque só se pode realizar com o diálogo, que significa escutar, compreender, e interpelar o outro integrando no argumento a sua razão. E significa um trabalho profundo de discernimento e abertura, que apenas agora começou.

O documento final que resultou da reunião denota um tom bastante mais eufórico do que foi o tom geral das discussões. Escamoteia algumas das polarizações, sobretudo a que se verifica entre a impaciência das comunidades da Europa Ocidental, lideradas pela posição alemã, exigindo uma reforma total (institucional, de governo e doutrina), imediata e sem recuo; e a resistência das Igrejas da Europa de Leste que a acusam de querer fundar uma outra Igreja, como indicou o delegado da Polónia.

Mas começámos a caminhar juntos, as cordas estão a relaxar para alargar o espaço da tenda e fazemo-nos à estrada com o peregrino invisível que é Jesus Cristo. O caminho sinodal concretiza uma Igreja em movimento, a sua forma e missão. E como diz o Papa Francisco, neste caminho todos somos protagonistas, atravessaremos a ponte e ela resistirá.

 

Isabel Capeloa Gil é reitora da Universidade Católica Portuguesa

 

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