
“O subtítulo desta obra (João e Manuel de Mello na Primeira Guerra Mundial. Memórias, Correspondência e Imprensa) dá um especial relevo a estes dois irmãos. De facto, através do Diário do primeiro bem como da correspondência de ambos com a família e amigos, Lívia Franco empreende o cruzamento de uma história pessoal com a história da Guerra de 14-18.”
Li nestas férias de verão muitos textos que me agradaram. Um deles foi o livro recentemente publicado por Lívia Franco sobre a Primeira Guerra Mundial interpretada através dos personagens concretos que nela viveram e que com a sua acção a construíram, imprimindo-lhe os traços que hoje nos permitem lê-la e estudá-la.[1] Grande parte da originalidade desta saga familiar é o facto de abordar a Primeira Guerra Mundial integrando-a no pano de fundo português, nessa altura dominado pela queda da Monarquia e a instalação da República. Daí o termo Guerra da República figurar no título do livro, ficando explícito que estão em causa dois conflitos que simultaneamente atravessaram a sociedade portuguesa nos dez anos que decorreram entre 1908 e 1918 – as lutas internas que conduziram à implantação de um novo regime e o conflito internacional em que diferentes potências europeias se envolveram, conflito esse no qual Portugal colaborou esforçadamente, mau grado as difíceis condições decorrentes da implantação de um novo regime. Esta circunstância, determinante para a nossa história, cruzou-se com os inevitáveis compromissos internacionais pois simultaneamente Portugal não só teve que atender às lutas que culminaram na alteração da monarquia para a república, como àquelas em que se viu obrigado a participar devido a compromissos internacionais. É neste contexto que Lívia Franco faz o cruzamento da história de “uma família monárquica “(a dos seus antepassados) com a história europeia onde diferentes potências se combateram com a violência e as consequências que todo o estudioso hoje conhece.
O subtítulo desta obra (João e Manuel de Mello na Primeira Guerra Mundial. Memórias, Correspondência e Imprensa) dá um especial relevo a estes dois irmãos. De facto, através do Diário do primeiro bem como da correspondência de ambos com a família e amigos, Lívia Franco empreende o cruzamento de uma história pessoal com a história da Guerra de 14-18. É uma tarefa difícil mas plenamente conseguida pois simultaneamente nos informa sobre um evento complexo como a Grande Guerra, como se debruça sobre as vicissitudes de uma família, relatando-nos as vivências concretas de personagens cujos anseios e dificuldades o leitor vai conhecendo. É este relacionamento da História com a “petite histoire” que permanentemente nos mantém interessados. É também uma partilha (que Lívia Franco empreende com o público dos leitores) da vasta investigação que permitiu a escrita deste livro. De facto, para além do enquadramento histórico da Primeira Guerra Mundial interpretada através do olhar de um monárquico que nela participou, trata-se de uma visão em que se procura uma ligação permanente entre o contexto e os factos, as ocorrências e as pessoas, o geral e o particular, lembrando-nos a justeza de Ortega y Gasset ao escrever: “Eu sou eu e minha circunstância.”[2]
[1] Lívia Franco, UMA FAMÍLIA MONÁRQUICA NA GUERRA DA REPÚBLICA. João e Manuel de Mello na Primeira Guerra Mundial. Memórias, Correspondência e Imprensa [1908-1918], Lisboa, D. Qioxote, 2023.
[2] Ortega y Gasset, Meditaciones del Quijote,1914/1966.
Maria Luísa Ribeiro Ferreira é Professora Catedrática de Filosofia da Faculdade de Letras da Universidade de Lisboa.