Uma Universidade Católica para quê? Para quem?

| 1 Mar 2023

Toda a mudança requer um percurso educativo para construir novos paradigmas capazes de responder aos desafios e emergências
do mundo atual,
de compreender e encontrar as soluções para as exigências de cada geração e de fazer florir a humanidade de hoje e de amanhã.

(Mensagem do Papa Francisco no lançamento do Pacto Educativo Global, 12/09/2019)

Universidade Católica Portuguesa

“Na sua filosofia educativa a UCP constitui-se como ‘uma Instituição de Ensino Superior de matriz humanista com o objetivo de promover a educação qualificada e formação integral, o conhecimento e a investigação de referência, e a inovação ao serviço do bem comum’.” Foto © Universidade Católica Portuguesa/Wikimedia Commons

 

Em 2019 o Papa Francisco apresentou aos cristãos (e ao mundo) aquilo que apelidou de “Pacto Educativo Global”. É à luz desse Pacto, infelizmente pouco divulgado, que vou refletir sobre questões de fundo quanto à orientação da Universidade Católica Portuguesa (UCP). Escrevo sobretudo sobre a sua Faculdade de Medicina. Tenho participado em relevantes sessões, jornadas, cursos livres na Universidade, nomeadamente na Faculdade de Teologia. Dei algumas aulas sobre ética profissional e supervisão pedagógica no Instituto de Educação da mesma Universidade. Argui teses de mestrado e doutoramento. Conheço vários professores da UCP, de não poucos sou amiga. Ainda assim, dói-me a Universidade Católica Portuguesa (UCP).

Na sua filosofia educativa a UCP constitui-se como “uma Instituição de Ensino Superior de matriz humanista com o objetivo de promover a educação qualificada e formação integral, o conhecimento e a investigação de referência, e a inovação ao serviço do bem comum”. Mas o que quererá dizer “responder aos desafios e emergências do mundo atual”? O que representa então uma “matriz humanista” e um serviço ao “bem comum”?

Quero começar por lembrar que o 7MARGENS dá aos seus colaboradores a liberdade para abordar qualquer assunto, não tendo necessariamente que se vincular a ele. Por outro lado pertenço a um Movimento de Mulheres Cristãs (Graal), mas esta minha reflexão é meramente individual, não sendo de modo algum a posição do Movimento.

É para mim difícil escrever estas palavras, mas desde há muito tempo que sinto como imperativo de consciência fazê-lo. Como senti o mesmo imperativo em outras reflexões que escrevi para o 7MARGENS sobre “temas fraturantes”. Mas este não é apenas fraturante. Este tema faz mal à minha alma, como um espigão que se me vai enterrando na carne (ao jeito de S. Paulo).

Sabemos que a UCP tem enorme prestígio nacional e internacional. Ainda bem. Algumas das suas faculdades estão praticamente no topo de rankings internacionais: Gestão, Economia, Direito, Executive Education, Corporate Finance, Comunicação e Marketing, etc. Mas… será que nas faculdades de Economia se discute uma “economia que mata” (Papa Francisco) ou mesmo de uma simples “economia circular”? Um dia confrontei-me com o anúncio de um curso livre da Católica Business and Economics School: “Gestão do Luxo”. Eis o que é formulado na sua apresentação: “Nos últimos anos o luxo tornou-se um dos mais bem sucedidos e relevantes negócios à escala global, apresentando resultados sempre crescentes, apesar do contexto conturbado da economia”. E mais não digo, o site deste curso é por demais elucidativo… Para mim, pessoalmente, este curso é imoral.

Tenho vindo a acumular uma grande perplexidade sobre a quem servem estas faculdades. Não apenas em relação a uma elite de professores e alunos, mas também à sociedade no seu todo: a grandes corporações? a obscuras e altas finanças internacionais? a justiça apenas para os ricos? Ou servem os cidadãos em geral ajudando cada jovem a ascender no elevador social, a interromper o ciclo da pobreza, a encontrar um trabalho digno, a ter esperança no futuro? Quem são os alunos destas faculdades?

Há uns anos (2014) subscrevi uma Carta, juntamente com outros católicos, criticando a UCP pela atribuição do prémio Fé e Liberdade a Alexandre Soares dos Santos perguntando:
Que valores merecem apreço explícito por parte da UCP?; Quais os conceitos de fé e de liberdade que estão implícitos nesta atribuição?

E continuo a citar:

Uma colossal fortuna pessoal? Uma forma de enriquecimento baseada nos ganhos do capital e sua acumulação? Práticas de exploração do trabalho humano (baixos salários, horários excessivos, precariedade nas relações laborais)? Expedientes fiscais para fugir aos impostos? Um modelo de economia que permite o desemprego massivo, a grande concentração do património individual e correspondente poder político, com risco para a democracia e para a coesão social?

Sabemos que a Sociedade Francisco Manuel dos Santos SGPS, da família Soares dos Santos, “recebeu 79,9 milhões de euros de benefícios fiscais em 2012. Foi a segunda entidade que mais benefícios fiscais teve nesse ano. O agora premiado também ficou famoso por ter transferido as ações do grupo para a Holanda, para pagar menos impostos.  

Ainda bem que a UCP é de excelência, volto a dizer. Ainda bem que em setembro de 2021 abriu a sua Faculdade de Medicina. Sabemos que esta faculdade está agora a começar, não podemos avaliar o impacto que terá, mas vou assumir que caminha na mesma linha das outras faculdades. Imagino até que já tenha tido chorudos financiamentos de empresas ou corporações. Tal como no caso de outras universidades ou hospitais privados, não irá ser um “sorvedouro” do melhor que temos no Serviço Nacional de Saúde ou nas faculdades públicas de Medicina (nomeadamente os docentes)? Temos vindo a assistir a essa sangria.

Já há algum tempo constatei na imprensa o montante das propinas desta faculdade. Passo a enunciar, de acordo com o que está plasmado nas páginas de um jornal de referência:

  • custo total por aluno das propinas (6 anos de curso): quase 100 mil euros, mais especificamente 97 500 euros
  • propina mensal: 1.625 euros
  • um ano de frequência será de 16.250 euros
  • acrescente-se uma taxa de candidatura de 350 euros (valor não reembolsável)
  • a taxa de inscrição anual é de 1.500 euros (in: Expresso, 7 de maio de 2021).

Em comparação, fazer o curso numa universidade pública tem o custo total de 4200 euros/aluno. Assim, o montante de três meses de propinas nesta nova faculdade é superior a seis anos em qualquer universidade pública.

Trata-se portanto de um mestrado integrado “de luxo” que só poderá receber alunos cujas famílias possam pagar montantes exorbitantes de propinas. Imagino que possa existir uma ou outra bolsa para alunos que não possam pagar. Mas qual a sua relevância em relação ao todo?

Para quem irão depois trabalhar estes médicos? Para os Centros de Saúde? Para os hospitais não universitários?  Como médicos de família no sistema público? Tenho as minhas dúvidas. Poderão eventualmente engrossar os milhares de graduados que vão trabalhar para fora do país… Imagino que não nos países mais pobres em que a saúde é um dos direitos humanos gravemente deficitário.

Esta nova faculdade pode ser exemplo de uma Universidade Católica? De que fala o Pacto Educativo Global que nos propôs Francisco em 2019?

Um novo passo é a coragem de formar pessoas disponíveis para se colocarem ao serviço da comunidade. O serviço é um pilar da cultura do encontro: significa inclinar-se sobre quem é necessitado e estender-lhe a mão, sem cálculos nem receio, com ternura e compreensão, como Jesus Se inclinou para lavar os pés dos Apóstolos. Servir significa trabalhar ao lado dos mais necessitados, estabelecer com eles, antes de tudo, relações humanas, de proximidade, vínculos de solidariedade. (Pacto Educativo Global, 12 de Setembro de 2019).

O que significa “lavar os pés” numa Universidade Católica? Como é que a Faculdade de Medicina vai propor aos seus alunos a visão da Fratelli Tutti? Onde está o serviço da Igreja aos mais pobres, aos “descartados”, às minorias, aos marginalizados? Não é este o apelo do Jesus Cristo dos Evangelhos? Continua Francisco:

Trata-se de unir esforços numa ampla aliança educativa para formar pessoas maduras, capazes de superar a fragmentação e a oposição e reconstruir o tecido das relações para uma humanidade mais fraterna (…) Nesta perspetiva todas as instituições se devem deixar interpelar acerca das finalidades e métodos com que desempenham a sua missão formadora. (ibid.)

Como podemos construir a “amizade social” de que fala Francisco na Fratelli Tutti? Vem-me à mente a “história do rei nu” que relata que, ao invés dos falsos aplausos no desfile do rei convencido de que vestia um fato sumptuoso, há uma criança inocente que aponta e ousa dizer a verdade: “O rei vai nu!”. Não consigo deixar de pensar na proposta do Papa de “uma Igreja como hospital de campanha”. Desejo uma Universidade Católica que seja um “hospital de campanha”. Dói-me a Universidade Católica Portuguesa.

 

Teresa Vasconcelos é professora do Ensino Superior (aposentada) e participa no Movimento do Graal. Contacto: t.m.vasconcelos49@gmail.com

 

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