
Bento XVI na celebração da eucaristia na Praça do Comércio, em Lisboa, 11 de Maio de 2010. Foto © Daniel Rocha/Público, cedida pelo autor.
As últimas palavras de Joseph Ratzinger, na língua materna alemã, “Jesus, eu te amo” representam o essencial do seu discurso teológico, iluminam o núcleo da sua dedicação ao serviço do Evangelho, constituem a força das suas decisões, sobretudo a de renunciar ao papado.
Na viagem a Portugal, que tive a graça de preparar e acompanhar de perto, impressionaram-me os passinhos curtos do seu andar franzino, que retomo porque uma das características da sua teologia é o dom para explicar coisas difíceis, guiando-nos a mente com pequenos passos, de modo a levar-nos a compreender o que Deus quer, a aprofundar os mistérios com base firme no Evangelho, a interpretar a fé “como a forma de realização do verdadeiro ser humano no mundo de hoje”.
A genialidade de Joseph Ratzinger consiste em tornar acessível a mensagem de Jesus para orientar a vida de modo claro. Conquista a inteligência, não como teórico frio, mas porque conhece a complexidade das questões não é rápido nas respostas; antes, como mestre e sábio, oferece clareza e explicação afetuosa. A severidade intelectual conjuga-se com enorme humildade, firmemente modesto, reservado, equilibrado. Alguém lhe chamou Mozart da teologia, sempre simples e amável. O autor da clássica Introdução ao Cristianismo (1967) convenceu pela humildade e tornou o cristianismo uma fascinante alternativa social.
Bento XVI serviu para trazer a doutrina sobre Deus para as questões problemáticas do mundo moderno: relação entre fé e razão, ética e ciência, religião e política. Realiza-o sem nunca se subjugar à moda, ao pronto-a-pensar, através de um tranquilo poder de argumentação. Pensa em grande escala e não se detém em minudências. A sua orientação teológica considera a fé como um caminho, algo dinâmico e em movimento, orientada para o fundamental.
Tema central da sua mensagem teológica é a síntese entre razão e fé, capaz de transmitir sentido profundo a uma sociedade marcada por vazios e relativismo. A partir da fé, que tem precedência sobre a teologia, surge nova sensibilidade para a criação ameaçada e uma ética para um estilo de vida que tenha futuro. A verdade e o amor foram constantes do seu magistério. Dizia aos jovens: “quero mostrar que é belo ser cristão”… “ser levado por um grande amor e grande conhecimento não é um fardo, são asas”.
Foi veiculada a imagem de um inquisidor, quando se tratou de um inquiridor, pronto sempre a dar precedência à Palavra de Deus sobre o nosso pensamento. Confundiram conservador com reacionário. Quando Peter Seewald o considera um “revolucionário de caracter cristão”, certamente recorda a sua afirmação: “Não são as ideologias que salvam o mundo […] a verdadeira revolução consiste em dirigir-se radicalmente a Deus, que é a medida da justiça e, ao mesmo tempo, o amor terno. E o que poderá salvar-nos a não ser o amor?” Dizia aos cardeais: “nós não trabalhamos para defender um poder. Na verdade, trabalhamos para que os caminhos do mundo se abram a Cristo”. Realmente, classificou o primado de Pedro como “primado do amor, do serviço e do sofrimento” e contribuiu para o desenvolvimento positivo das tarefas comuns das religiões. Recordo que em 2006, no conhecido campo de concentração de Auschwitz, implorou: “grito ao Deus vivo para não ser mais possível tal coisa”.
Nasceu para a vida eterna um teólogo genial, que quis sempre ser um bom cristão.
Carlos Moreira Azevedo é bispo e delegado do Comité Pontifício das Ciências Históricas