“Unicamente o vento…”
Teimosamente. A obra de Sophia ecoa. Como o vento. Como o mar. Porque “o poeta escreve para salvar a vida”. Aquela que foi. Que é. A vida num ápice. Luminosa e frágil. Do nascente ao ocaso. Para lá do poente. Celeste. Na “respiração das coisas”. No imprevisível ou na impermanência. A saborear o que tem. A usufruir do que teve. Na dor e na alegria. Na relação e na dependência. Na memória construída e a construir. Dos que partem e pelos que ficam.
Pneuma, ruah, espírito. A Vida é um sopro. E continua. Na poesia. No poeta.
Como destino traçado no dealbar, o poeta vem da terra, do pó mais fino para derrubar os poderes da cidade corrompida. Na busca “De um país liberto De uma vida limpa E de um tempo justo”.
O olhar sensível do poeta é como punhal na ferida aberta pela derradeira contemplação. Conjuga os astros. Alinha os planetas. Procura. Na penumbra do absurdo. Num “Caminho ao longo dos oceanos frios”. E as ondas ressoam como trovões. E há uma voz. Uma oração. Um medo de não ter medo da opção irreversível.
O poeta vê para lá do óbvio.
Como sentinela responde ao íntimo chamamento para renascer todos os dias. No que vê. No que ouve. No que lê. E não ignora.
“Por muito que eu te chame e te persiga”, quem fica indiferente? O vento muda. “Unicamente o vento…”
Se encontra é porque procura. Se procura é porque encontra. O inexplicável inquieta. A procura é incessante.
Ainda há tempo? Hölderlin intrigava-se num Poema conciso: “Porque és tão curto?” No tempo que devora – kronos – que se esgota, ou no tempo oportuno – kairós – que não cede ao inevitável, há todo um Tempo para ser o que se diz, para dizer o que se é. Do tudo e do Todo. O Tempo da poesia. Que rasga os véus. Que desoculta.
E revelam-se os rostos desta gente que é e que somos. Aqui e agora. No sopro de Sophia. Na definitiva poesia do encontro. De Deus e dos deuses.
Joaquim Franco é jornalista e trabalha na SIC; este texto é uma versão adaptada de outro publicado em julho de 2014, na página da SIC Notícias na internet, a propósito da trasladação dos restos mortais de Sophia de Mello Breyner para o Panteão Nacional.)
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