Papa regressou da Eslováquia

Vacinas, negacionistas, aborto e uniões homossexuais – e a missão de “proximidade” dos bispos

| 16 Set 2021

O aborto é homicídio, mas os bispos têm de ser próximos de quem defende a sua legalização; os Estados devem apoiar as uniões de pessoas do mesmo sexo, mas a Igreja continua a considerar o sacramento do matrimónio apenas entre um homem e uma mulher; e as vacinas têm uma “história de amizade” com a humanidade, não se entendem por isso os negacionismos. Palavras do Papa a bordo do avião que o levou da Eslováquia de regresso a Roma.

papa francisco aviao viagem eslovaquia foto vatican news

Em conversa com os jornalistas a bordo do avião que o transportou da Eslováquia para Itália, o Papa admitiu que também há negacionistas entre os cardeais. Foto © Vatican News.

 

O Papa Francisco diz que não compreende o cepticismo manifestado por algumas pessoas, incluindo cardeais e outros responsáveis católicos, perante as vacinas contra a covid-19, e fala de “uma história de amizade” da humanidade com as vacinas.

Em conversa com os jornalistas a bordo do avião que o transportou da Eslováquia para Itália, depois de uma viagem iniciada domingo, em Budapeste (Hungria), Francisco admitiu que a questão tenha a ver com a variedade de vacinas que existem e a rapidez com que foram aprovadas, e pela “virulência” e “incerteza”, provocadas pela pandemia, de acordo com a transcrição da conversa que pode ser lida no portal do Vaticano (em italiano).

Apesar de ter havido quem dissesse que as vacinas usavam linhas de células derivadas de fetos, o que levou alguns católicos a recusar as vacinas por razões morais, a Congregação para a Doutrina da Fé já afirmou que não existem razões éticas ou religiosas para as rejeitar.

O Papa admitiu que também há negacionistas entre os cardeais, referindo um, “coitado”, que chegou a estar hospitalizado em estado crítico. A alusão parece ter sido ao cardeal Raymond Burke, dos EUA, que defende a existência de teorias da conspiração, e que adoeceu com covid-19 em agosto, mas já recuperou.

No Vaticano, explicou o Papa, todos os residentes, funcionários e suas famílias foram já vacinados, exceto “um grupo muito pequeno” que recusou a vacina. “Estão a ver agora como os podem ajudar.”

 

Comunhão para políticos pró-aborto

Uma das perguntas feitas ao Papa durante a viagem teve a ver com o debate que decorre atualmente nos Estados Unidos, nomeadamente entre os bispos católicos, sobre se estes devem, ou não, recusar dar a comunhão a políticos católicos que defendam a legalização do aborto. Entre estes políticos está o Presidente Joe Biden.

Francisco disse que não conhece os detalhes do caso, mas que em geral aconselha os bispos a adotar sempre uma postura pastoral.

“Olhando para a história da Igreja, podemos ver que sempre que os bispos não agem como pastores quando enfrentam um problema, acabam por tomar posições políticas. Isto não é pastoral.”

“E o que deve fazer um pastor? Ser pastor. Não é andar por aí a condenar. Devem ser pastores ao estilo de Deus, que é com proximidade, compaixão e carinho. Um pastor que não sabe como agir ao estilo de Deus escorrega e acaba por entrar em muitas áreas que não são as do pastor”, afirmou.

Francisco disse que nunca recusou a comunhão a ninguém, mas salvaguardou que nunca tinha estado nessa posição. “Não sei se alguém se apresentou para comungar nessa situação, mas eu nunca recusei a eucaristia, desde que sou padre”, sublinhou.

Falando especificamente sobre o aborto, contudo, Francisco foi peremptório. “Aceitar o aborto é como aceitar o assassinato no dia-a-dia. Quem faz um aborto comete um homicídio. Vejam em qualquer livro de embriologia, a partir da terceira semana da gravidez, muitas vezes mesmo antes de a mãe se aperceber, estão lá os órgãos todos, bem como o ADN. É uma vida humana, ponto final. E toda a vida humana deve ser respeitada. Este princípio é muito claro.”

 

Apoiar uniões gay, mas matrimónio é um homem e uma mulher

Sobre outro tema de moral familiar, o Papa defendeu que os Estados devem oferecer protecção legal para as uniões entre pessoas do mesmo sexo, distinguindo-as do matrimónio católico.

“Há leis que procuram ajudar as situações de muitas pessoas, que têm uma orientação sexual diferente”, indicou Francisco, no voo de regresso a Roma, após uma viagem de quatro dias à Hungria e Eslováquia.

Segundo o Papa, é importante que os Estados tenham a possibilidade apoiar estas pessoas, “civilmente, de dar-lhes segurança de herança, saúde”.

Em várias intervenções, desde a sua eleição pontifícia em 2013, o Papa tem distinguido estas uniões homossexuais, no plano civil, do sacramento do matrimónio, reservado na Igreja Católica à união entre um homem e uma mulher.

“O matrimónio é um sacramento, a Igreja não tem poder para mudar os sacramentos como o Senhor os instituiu”, referiu. “Matrimónio é matrimónio. Isto não significa condená-los [aos homossexuais], eles são nossos irmãos e irmãs, devemos acompanhá-los. Mas o matrimónio, como sacramento, é claro”, afirmou, admitindo alguma “confusão” no debate público entre leis civis e o casamento como sacramento.

 

Cristãos atentos aos sofrimentos do mundo
papa francisco missa homilia viagem eslovaquia foto vatican news

No Santuário de Šaštin, Francisco insistiu, perante cerca de 60 mil pessoas, na importância do acolhimento dos mais frágeis. Foto © Vatican News.

 

Na missa com que concluiu a viagem de três dias à Eslováquia, o Papa pediu ainda uma fé atenta ao sofrimento do mundo. Foi a forma de sintetizar uma das ideias dos seus discursos e homilias, em que insistiu na importância do acolhimento dos mais pobres, dos sem-abrigo, de minorias marginalizadas como os ciganos ou dos refugiados.

No santuário mariano de Šaštin, a norte de Bratislava, e assinalando a festa da padroeira nacional, Nossa Senhora das Dores, o Papa afirmou, perante cerca de 60 mil pessoas: “Uma fé que não se fica pelo abstrato, mas faz-nos entrar na carne e nos torna solidários com os necessitados. Esta fé, ao estilo de Deus, humilde e silenciosamente levanta o sofrimento do mundo e irriga os sulcos da história com a salvação.” Uma fé, acrescentou, que se torna “compaixão, que se torna partilha de vida com quem está ferido, quem sofre e quem é constrangido a carregar aos ombros pesadas cruzes”.

O Santuário de Šaštin é um destino de peregrinações há vários séculos e tornou-se, durante o regime comunista na antiga Checoslováquia, um símbolo da resistência da comunidade cristã.

Deus, disse o Papa, “subverte as lógicas do mundo” e os cristãos devem ser “profetas”: “Cristãos que sabem mostrar, com a vida, a beleza do Evangelho: que são tecedores de diálogo onde as posições se tornam rígidas; que fazem resplandecer a vida fraterna na sociedade, onde muitas vezes nos dividimos e contrapomos; que difundem o bom perfume do acolhimento e da solidariedade, onde muitas vezes prevalecem os egoísmos pessoais e coletivos; que protegem e guardam a vida onde reinam lógicas de morte.”

 

Tensão na Hungria? Nem por isso

A visita do Papa à Hungria, que durou escassas sete horas, foi antecedida de muita especulação sobre qual seria a atitude de Francisco com o primeiro-ministro Viktor Orbán. Este já manifestou por várias vezes divergências públicas em relação às posições do Papa em temas como o acolhimento de imigrantes e refugiados, mas esse assunto não foi abordado na reunião em que estiveram juntos. Antes, falou-se de temas e valores comuns.

“Eu recebi o Presidente [János Áder] e ele veio com o primeiro-ministro [Orbán] e o vice-primeiro-ministro. Quem falou foi o Presidente. O primeiro tema foi a ecologia, e aí, chapeau aos húngaros, pela consciência ecológica que têm. Explicou como purificam os rios, coisas que eu não sabia”, contou Francisco.

“Depois perguntei sobre a média etária da população, porque estou preocupado com este inverno demográfico. Em Itália são 47 anos, em Espanha penso que é pior, há muitas aldeias vazias, ou só com idosos. Como é que se pode resolver isto? O Presidente explicou que têm leis para ajudar os casais jovens a casar e a ter filhos. Foi muito interessante”, sublinhou.

“Vi que há muitos jovens, muitas crianças. Na Eslováquia também reparei nisso. O desafio agora é encontrar empregos, para que não tenham de ir para o estrangeiro procurar”, disse Francisco.

O Papa referiu-se também ao problema do antissemitismo, do qual falou durante a sua viagem, lamentando que esteja a “ressurgir” e a tornar-se “moda”. “É uma coisa muito, muito feia.”

Referindo-se, aliás, ao actual momento da vida europeia, disse ainda que é preciso recuperar a “mística” da União Europeia e os “sonhos” dos seus fundadores.

 

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