“Perante um abandono generalizado do sacramento da misericórdia, não será de rever” o que se fez desse “presente pascal” de Jesus – pergunta o Grupo Inter-paroquial do Vale de São Torcato (Guimarães). Para o qual também a participação das mulheres na vida da Igreja e inclusivamente no sacerdócio se impõe. Duas propostas em resposta à maior auscultação alguma vez feita à escala planetária, lançada pelo Papa Francisco, para preparar a assembleia do Sínodo dos Bispos de 2023. Esse coro imenso de vozes não pode ser silenciado, reduzido, esquecido, maltratado. O Espírito sopra onde quer e os contributos dos grupos que se formaram para ouvir o que o Espírito lhes quis dizer são o fruto maduro da sinodalidade. O 7MARGENS publica alguns desses contributos, estando aberto a considerar a publicação de outros que nos sejam enviados.

Giuseppe Molteni, La Confessione (A Confissão), 1838, Cariplo Collection, Artgate Fondazione Cariplo, via Wikimedia Commons: “O que foi feito desse presente pascal de Jesus, transformado numa espécie de processo, superando a essência que é o amor do Pai por cada filho?”
Começámos por formar um grupo interparoquial, com o intuito de motivar pessoas para a criação de grupo/s na respetiva paróquia.
Fez-se algum trabalho nesse sentido; mas não conseguimos criar os grupos paroquiais.
Nas paróquias estavam a trabalhar as equipas dinamizadoras da JMJ; na realidade iríamos sobrecarregar os mais disponíveis, que já estavam a caminhar. No entanto, em todas as paróquias, em reuniões dos grupos JMJ ou outros, sempre informámos sobre o significado do Sínodo, muito especialmente nesta primeira fase em que todos deveriam participar.
Na realidade o que se fez foi apenas o primeiro passo, que por isso só tem interesse se tiver continuidade na reflexão, partilha e compromisso.
As sugestões da equipa diocesana foram um ponto de partida e uma referência, embora no grupo fosse seguida uma abordagem mais informal.
– Encontro sobre a Comunhão: falou-se da Igreja como Comunidade de Comunidades, por contraposição a uma Igreja marcadamente de poder, numa configuração piramidal. Isto significa uma tentativa de regresso às origens, ao Evangelho e à comunidade dos primeiros tempos.
Partilhou-se o significado do batismo como inserção num corpo, onde cada membro tem o seu lugar e a sua função. Aprofundou-se a necessidade do reconhecimento da dignidade de cada membro e dos carismas como um dom recebido para servir os outros.
Essa consciência conduzirá a uma menor dependência das ordens do pastor e a um – envolvimento maior de cada um e de todos.
– Encontro sobre a Participação: abriu-se a janela para uma apreciação mais criteriosa das orientações e das leis da Igreja:
– Falar da possibilidade de um recasamento após o fracasso de um primeiro não poderá levar à ostracização e exclusão perene e muito menos à condenação de quem tenta reconstruir a sua vida matrimonial.
– Perante pessoas que vivem em situação matrimonial de facto, será mais o fruto de uma evangelização correta e adequada que não existiu, e que exige ter uma nova abordagem com quem assim vive, num respeito profundo pela sua consciência, sem apresentar à partida um juízo de maldade e de exclusão, deixando o Evangelho só para os eleitos e não para quem procura a verdade e a liberdade.
– A participação das mulheres na vida da Igreja e inclusivamente no sacerdócio parece impor-se, à medida que a consciência da igual dignidade e igual capacidade em relação aos homens for vencendo preconceitos e medo de que algo de novo apareça.
– A obrigatoriedade do celibato sacerdotal não tem cabimento nos dias que vivemos e criando-se essa oportunidade crê-se que haverá uma situação mais enriquecedora para a evangelização com os que optam por esse sinal do Reino, mas também com os que entendem que constituindo uma família poderão ser evangelizadores e, nalgumas matérias, evangelizadores privilegiados. Não é o fim do celibato, é um recomeçar com formas diferentes.
– Perante um abandono generalizado do sacramento da misericórdia, não será de rever, sem receio de tabus, o que é que foi feito desse presente pascal de Jesus, que foi transformado numa espécie de processo judicial, superando a sua essência que é o amor do Pai por cada um dos seus filhos? E se ouvíssemos o que cada um pensa disto, não nos levaria a encarar Deus como Aquele que nos cativa e não Aquele que nos castiga? Estariam os pastores e o povo dispostos a rever um assunto tão importante?
– Encontro sobre a Missão:
A interiorização, a oração, que nascem da fé, têm de conduzir-nos à comunhão com Deus e à comunhão com o próximo, levando-nos todos a sermos mais participativos, assumindo as nossas responsabilidades como membros do “corpo”. E essa participação concretizar-se-á nos actos que praticarmos, marcados pela visão que temos de Deus e de nós mesmos.
Assim a primeira conclusão que se tira é que quem reflete sobre isso deve ser o primeiro a dar o exemplo da beleza do Evangelho, praticando aquilo que afirma. O Reino de Deus só assim se constrói, no mundo concreto do nosso próximo.
Síntese diocesana sobre a caminhada sinodal
[Uma vez que estes contributos acabaram por ser enviados à Comissão diocesana do Sínodo apenas depois da Assembleia Diocesana sinodal, isso permitiu que nessa Assembleia fossem apresentados quatro pontos, já em diálogo com a proposta de síntese – nota do 7M]
Perante a síntese apresentada pela Comissão [diocesana] fazemos quatro observações:
1 – Um dos pontos mais mencionados (2.10) refere-se ao acolhimento de famílias que tentam reconstruir-se. Achamos muito positiva a observação e sentimo-nos inteiramente identificados com o que está escrito.
2 – Sobre a questão do celibato (2.1) o relatório apresenta-o mais como um dado. Nós realçamos mais a ideia da “revisão”, não para o fim do celibato dos sacerdotes, mas para revalorizá-lo com formas diferentes” (padres celibatários e padres casados). Existe uma inteira abertura para a revisão.
3 – Sobre o papel das mulheres, olhando para o nº 3.2, parece-nos um texto pouco arrojado, onde aparece uma referência às decisões dos leigos… “sem esquecer o papel da mulher na Igreja”. No entanto, o nº 2.4 aparece com outro fôlego, apresentando “o diaconado feminino e a ordenação de mulheres como opções a serem discutidas”.
O nosso grupo com clareza defende “participação das mulheres na vida da Igreja e inclusivamente o sacerdócio…” e parece-nos que, abrindo os olhos à realidade da sociedade de que fazemos parte, será mais fácil acolher com naturalidade o seu estatuto de igualdade e dignidade.
4 – Quando em 2.11 se fala do acompanhamento espiritual, do atendimento, do acesso ao sacramento da reconciliação” parece-nos muito genérico. E interrogamo-nos particularmente sobre o abandono generalizado no que a ele se refere: “Não será de rever o que fizemos desse presente pascal de Jesus? Não fomos nós – Igreja – que, ao longo dos séculos, transformámos o presente de Jesus num instrumento de sofrimento, que nada tem a ver com a atitude de Jesus diante dos pecadores que Ele acolheu e perdoou? Uma abordagem multidisciplinar impõe-se para uma verdadeira pastoral libertadora.