
Criança iraquiana com uma folha a pedir “ajudem os cristãos perseguidos no Iraque”. Foto © ACN-Portugal
Será o reinício das viagens apostólicas do Papa Francisco, depois da interrupção provocada pela pandemia e logo a um país e uma região de alto risco: o Iraque, entre 5 e 8 de Março de 2021, será o destino desta viagem já qualificada como “histórica” em vários média internacionais.
O anúncio foi feito esta segunda-feira, 7 de Dezembro, pelo director da Sala de Imprensa da Santa Sé, Matteo Bruni, citado nas agências e jornais internacionais.
Bagdad, Ur (ligada à memória de Abraão), Erbil, Mossul e Qaraqosh (planície de Nínive) serão as cidades que o Papa irá visitar, em resposta aos convites do Presidente iraquiano, Barham Salih, e dos responsáveis católicos locais – nomeadamente, do cardeal Louis Sako, uma das vozes que mais se tem destacado na defesa da liberdade religiosa e de soluções pacíficas para os conflitos que perduram no país.
“A seu tempo será publicado o programa da viagem, que terá em conta a evolução da emergência sanitária mundial”, esclareceu Bruni, citado na Ecclesia. A mesma fonte recorda que a 10 de Junho de 2019 o Papa anunciara a sua intenção de visitar o país, quando se encontrou com um grupo de representantes das comunidades católicas orientais: “Uma ideia insistente acompanha-me, pensando no Iraque, onde tenho o desejo de ir no próximo ano, para que possa seguir em frente, através da participação pacífica e partilhada na construção do bem comum de todos as componentes religiosas da sociedade, e não caia novamente em tensões que vêm dos conflitos intermináveis de potências regionais.”
No La Croix International (ligação só para assinantes), considera-se a visita histórica por quebrar os 15 meses em que Francisco não saiu de Itália (a única saída de Roma, desde o início da pandemia, foi a Assis, para assinar a encíclica Fratelli Tutti, a 3 de Outubro), mas sobretudo porque será a primeira vez que um Papa vai ao país. No ano 2000, como forma de assinalar o Jubileu, o Papa João Paulo II quis visitar os principais lugares da tradição judaico-cristã: Ur, no actual Iraque (de onde saiu Abraão), o Sinai, no Egipto (onde Moisés liderou os judeus na sua libertação da escravatura a que estavam sujeitos) e a Terra Santa (Belém e Jerusalém). Na altura, as negociações com o regime iraquiano liderado por Saddam Hussein, que sobrevivera à primeira Guerra do Golfo, fracassaram e a viagem não se concretizou.
Esta viagem concretiza também a prioridade do Papa em visitar países “periféricos”, esclareceu o director da Sala de Imprensa do Vaticano. Ou seja, os que têm condições de vida precárias ou onde a comunidade católica é marginal.
Perto de um milhão de cristãos fugiu do país
Em 2003, antes da II Guerra do Golfo e da invasão o país pela coligação liderada pelos EUA para depor Saddam Hussein, havia entre 1 e 1,4 milhões de cristãos no Iraque, recorda o La Croix. A invasão, a guerra prolongada que se lhe seguiu e a ocupação da Planície de Nínive em 2014-2017 pelo autoproclamado Estado Islâmico reduziram o seu número para 300–400 mil.
A região de Nínive foi já habitada principalmente por cristãos caldeus, sírios e assírios. Apenas 45% da comunidade cristã original regressou entretanto à Planície (em 2014, viviam ali cerca de 102.000 cristãos, agora serão uns 36 mil e as perspectivas são de uma maior redução nos próximos anos, por causa da instabilidade que se mantém, da falta de segurança e da falta de condições económicas para viver.
O Daesh ocupou a região a partir de 2014, mas só em 2016 começou a ser gradualmente expulso. Milícias, muitas delas ligadas a potências estrangeiras, ocuparam entretanto grande parte da área, refere ainda o La Croix. O Presidente Barham Salih e outros responsáveis políticos têm apelado ao regresso dos cristãos que fugiram do país para ajudar a reconstruir a nação. Mas a Ajuda à Igreja que Sofre (AIS), que apoia cristãos perseguidos, nota que as razões que levam os cristãos são a insegurança, a instabilidade e a falta de condições de vida. Factores que a covid-19 agravou, num país com mais de 38 milhões de pessoas.
Já em Fevereiro deste ano, o Papa saudara no Vaticano um grupo de peregrinos no Iraque, falando de novo na intenção de visitar o país este ano, antes do adiamento: “Estou muito próximo de vós. Sois um campo de batalha, sofreis uma guerra de um lado e do outro. Rezo por vós e pela paz no vosso país, para o qual estava programada uma visita minha, este ano”, afirmou, citado pela Ecclesia, na última audiência pública das quartas-feiras, antes do início da quarentena em Itália e no Vaticano.
Há um ano, o cardeal Louis Raphael Sako, patriarca caldeu da Babilónia, dizia à agência noticiosa SIR: “Todos no Iraque, cristãos e muçulmanos, o estimam [Papa Francisco] pela sua simplicidade e proximidade. As suas palavras tocam os corações de todos porque são as de um pastor.”
A possibilidade de ouvir essas palavras está agora mais próxima.