
“Há alguns que presumem já saber quais serão as conclusões da Assembleia Sinodal. Outros gostariam de impor uma agenda ao Sínodo, com a intenção de dirigir a discussão e condicionar os seus resultados”, pode ler-se na carta. Foto © Synod.va.
Os cardeais Mario Grech e Jean Claude Hollerich, secretário-geral e relator-geral do Sínodo, escreveram uma carta aos bispos do mundo inteiro partilhando algumas considerações que estes deverão ter em conta nas assembleias continentais que se aproximam. Na missiva, divulgada esta segunda-feira, 30 de janeiro, no site do Sínodo, pedem em particular que não instrumentalizem esta nova fase, nem descurem aquela que foi “a consulta do Povo de Deus” realizada na primeira etapa.
“Há alguns que presumem já saber quais serão as conclusões da Assembleia Sinodal. Outros gostariam de impor uma agenda ao Sínodo, com a intenção de dirigir a discussão e condicionar os seus resultados”, pode ler-se na carta. “Contudo – recordam os cardeais – o tema que o Papa atribuiu à XVI Assembleia Geral Ordinária do Sínodo dos Bispos é claro: ‘Para uma Igreja sinodal: comunhão, participação, missão’. Este é, portanto, o único tema que somos chamados a aprofundar em cada uma das fases do processo”.
Na opinião de Grech e Hollerich, “aqueles que pretendem impor algum tema ao Sínodo esquecem a lógica que rege o processo sinodal: somos chamados a traçar uma ‘rota comum’, a partir da contribuição de todos”.
Esses contributos têm vindo a ser recolhidos, “primeiro na fase de consulta do Povo de Deus, depois no discernimento dos Pastores nos Sínodos/Conselhos das Igrejas sui iuris e nas Conferências Episcopais”. Seguem-se, agora, as Assembleias Continentais e, nas vésperas das mesmas, o secretário-geral e o relator do Sínodo fazem questão de lembrar que “é precisamente devido ao vínculo entre as diferentes fases que outros temas não podem ser introduzidos sub-repticiamente, instrumentalizando a Assembleia e descurando a consulta do Povo de Deus”.
América do Norte já avançou, seguem-se a Europa e Oceania

A carta, traduzida em seis línguas, surge no momento em que a Assembleia Continental da América do Norte iniciou já uma série de reuniões virtuais, e os restantes continentes se preparam para realizar encontros presenciais em fevereiro e março.
A Europa e a Oceania começam as suas Assembleias Continentais no próximo domingo. Duzentos delegados estarão reunidos em Praga, República Checa, para a primeira parte da Assembleia Continental Europeia, de 5 a 9 de fevereiro (156 delegados das várias conferências episcopais e 44 convidados diretamente pela presidência do Conselho, ligados às realidades eclesiais mais representativas a nível europeu), aos quais se juntarão 390 delegados online (10 de cada conferência episcopal). Na segunda parte da assembleia, de 10 a 12 de fevereiro, participarão apenas os presidentes das conferências episcopais.
Na Oceania, os bispos da Austrália, Nova Zelândia e Papua Nova Guiné irão juntar-se com delegados de outras partes do continente para uma reunião de cinco dias em Suva, Fiji, entre 5 e 9 de fevereiro.
A Assembleia Continental do Médio Oriente será realizada em Beirute, Líbano, de 12 a 18 de fevereiro, com a participação de clérigos de pelo menos sete Igrejas Católicas Orientais.
Bispos e delegados de toda a Ásia encontrar-se-ão em Banguecoque, Tailândia, de 24 a 26 de fevereiro para a Assembleia Continental Asiática, onde são esperados 100 participantes.
A Assembleia Continental Africana terá lugar em Adis Abeba, Etiópia, com a participação de 95 leigos, 12 religiosas, 18 sacerdotes, 15 bispos e sete cardeais, num total de 155 delegados, de 1 a 6 de março.
Já a Assembleia Continental da América Latina e Caraíbas será dividida em quatro reuniões que terão lugar em diferentes países. A primeira será em El Salvador, de 13 a 17 de fevereiro, com participantes do México e da América Central. A segunda será na República Dominicana, de 20 a 24 de fevereiro. A terceira será em Quito, Equador, de 27 de fevereiro a 3 de março, e a quarta em Brasília, Brasil, de 6 a 10 de março.
“Caberá às Assembleias Continentais, com base nas ressonâncias que a leitura do Documento de trabalho para a Etapa Continental (DTC) terá suscitado em cada Igreja particular, identificar ‘quais são as prioridades, os temas recorrentes e os apelos à ação que podem ser partilhados com outras Igrejas locais no mundo e discutidos durante a Primeira Sessão da Assembleia sinodal em outubro de 2023?’, recorda a carta escrita por Grech e Hollerich.
Os cardeais dizem estar confiantes que “a voz das Igrejas particulares ressoará novamente e com ainda maior força”.
A grande questão que vem desde o Concílio Vaticano II

Reconhecendo que na “primeira fase do processo sinodal pudemos ver como cada um desempenhou o seu papel, no respeito do papel e da contribuição dos outros”, o secretariado geral do Sínodo dos Bispos insiste que é necessário “continuar por este caminho, não confundindo sinodalidade com um método apenas, mas assumindo-a como uma forma da Igreja e um estilo de realização da missão comum de evangelização”.
“Quanto mais crescermos num estilo sinodal de Igreja, mais todos nós membros do Povo de Deus – fiéis e Pastores – aprenderemos a sentire cum Ecclesia, em fidelidade à Palavra de Deus e à Tradição”, sustentam o secretário-geral e o relator-geral do Sínodo.
Recorde-se que o processo sinodal tem sido alvo de fortes críticas por parte de alguns bispos e outras figuras proeminentes no seio da Igreja Católica, como foi o caso do cardeal George Pell, que nos dias anteriores à sua morte terá escrito um texto em que se referia ao Sínodo como um “pesadelo tóxico”. Pell queixava-se em particular da “crescente confusão, ataque à moralidade tradicional e inclusão no diálogo do jargão neomarxista sobre exclusão, alienação, identidade, marginalização, sem voz, LGBTQ”, bem como do “deslocamento das noções cristãs de perdão, pecado, sacrifício, cura e redenção” (ver 7MARGENS].
Já o cardeal Gerhard Müller, ex-prefeito da Congregação para a Doutrina da Fé, disse em outubro do ano passado que o Sínodo é “uma aquisição hostil” por pessoas que “pensam que a doutrina é como o programa de um partido político”.
“Como poderíamos lidar com questões pontuais, muitas vezes divisionistas, sem antes ter respondido à grande questão que tem questionado a Igreja desde o Concílio Vaticano II: ‘Igreja, que dizes de ti mesma?’, perguntam os cardeais Mario Grech e Jean-Claude Hollerich na sua missiva. “A longa viagem de receção do Concílio leva-nos a dizer que a resposta está na Igreja ‘constitutivamente sinodal’, onde todos são chamados a exercer o seu próprio carisma eclesial em vista do cumprimento da missão comum de evangelização”, concluem.