
“Não falemos de rebelião. Na Igreja sempre houve tensões e posições divergentes”, diz o cardeal Pietro Parolin sobre o Caminho Sinodal alemão. Foto © Vatican Media.
A realização de cerimónias de acolhimento e bênção de casais homossexuais foi aprovada por esmagadora maioria de dois terços quer por bispos quer por leigos na sessão final do Caminho Sinodal da Igreja Católica alemã, que terminou no último sábado, dia 10. Contudo, de Roma já chegou o recado de que o assunto terá de ser objeto de conversações entre as duas partes, dado estar em causa uma posição oficial da Igreja contrária à medida.
A decisão tomada pelos representantes sinodais, que se estende também aos divorciados recasados, vai ser agora operacionalizada pelo Comité Sinodal eleito na mesma altura e pode ser que não entre formalmente em vigor antes de 2026, o tempo de vigência do Comité. Mas muita água correrá, entretanto, debaixo das pontes.
De acordo com a moção submetida a sufrágio, a medida refere-se a “casais que se amam, mas que não podem aceder ao casamento sacramental”, sendo que “a cerimónia de bênção difere da liturgia do sacramento do matrimónio”.
Pretende-se pôr fim a situações de exclusão que, segundo o fundamento da medida, revelam um Deus que não é misericordioso.
Está previsto que as dioceses alemãs integrem essa cerimónia de bênção na liturgia diocesana e que se dotem de um formulário de bênção para este fim. A assembleia sinodal aprovou ainda a elaboração de um manual que contemple os contextos em que irá decorrer a bênção e as situações dos casais que serão abençoados. A formação dos agentes de pastoral e a preparação da cerimónia encontram-se também incluídas.
Comentando esta decisão, o secretário de Estado do Vaticano, cardeal Pietro Parolin, reagiu logo na segunda-feira, 12. Citado pelo jornal católico digital Crux, o número dois da Cúria Romana avisou que “uma igreja local e particular não pode tomar uma decisão que envolva a disciplina da Igreja universal”.
Não pondo de parte de forma taxativa que esse possa vir a ser o caminho para algumas igrejas locais, defendeu a necessidade de “haver uma discussão com Roma e o resto das Igrejas do mundo… para esclarecer quais as decisões a serem tomadas”, disse Parolin, acrescentando que o lugar próprio para esse debate será o próximo Sínodo dos Bispos, no próximo mês de outubro.
O responsável recordou ainda a resposta terminantemente negativa dada pelo prefeito do Dicastério para a Doutrina da Fé, Luís Ladaria, em meados de março de 2021, a uma pergunta sobre se “a Igreja dispõe do poder de abençoar as uniões de pessoas do mesmo sexo”. A resposta foi: “A Igreja não dispõe, nem pode dispor, do poder de abençoar uniões de pessoas do mesmo sexo”, porque “não abençoa nem pode abençoar o pecado”.
Apesar desta diferença de visões e posições, o cardeal secretário de Estado recusou tomar a votação da Igreja alemã como um sinal de rebelião. “Não falemos de rebelião. Na Igreja sempre houve tensões e posições divergentes”, adiantou.
A verdade é que tanto na Bélgica flamenga como na Suíça há dioceses que, de forma mais ou menos discreta, aprovaram formulários e estão a proceder à bênção de casais homossexuais, dizendo alguns que Roma está a par do caminho que se tem vindo a fazer. Foi precisamente um bispo da Flandres que, como convidado oficial do Caminho Sinodal, subiu à tribuna para dizer aos presentes que aquilo que ali estava a acontecer, no meio de grandes tensões, já se fazia num país mesmo ao lado, sem grandes problemas.
Importa sublinhar que há contextos em que a Igreja Católica trabalha, onde esta questão se coloca com uma premência que, noutras partes, é desconhecida. Logo que a resposta da Congregação da Doutrina da Fé foi divulgada, há dois anos, o 7MARGENS noticiou que bispos e mais de um milhar de padres da Alemanha se insurgiram contra o teor do documento.
“Benzi casas, carros, elevadores, terços sem conta e muitas coisas mais, e agora não poderei benzer duas pessoas que se amam? Não pode ser essa a vontade de Deus!” dizia, então o vigário-geral da diocese de Speyer (Espira), Andreas Sturm.
O cardeal Christoph Schönborn, arcebispo de Viena, na Áustria, foi claro no seu comentário à posição da mesma Congregação: se a Igreja é mãe, não pode deixar de abençoar; e uma bênção não é um prémio por bom comportamento, mas um pedido de presença e proteção.
De resto, a situação não é exclusiva da Igreja Católica. A Igreja Anglicana, que recentemente abriu caminho a estas bênçãos, suscitou alegria, mas, em algumas zonas, como em África, desencadeou viva contestação, como o 7MARGENS também noticiou.