
Desde Outubro de 2017, quando se registaram os primeiros ataques armados em Cabo Delgado, calcula-se que já tenham morrido mais de três mil pessoas e cerca de 800 mil tiveram de sair das suas casas, vivendo em abrigos improvisados em Pemba e noutras localidades. Foto © Fundação AIS.
Aldeias atacadas, mais raptos de pessoas – sobretudo mulheres e crianças –, violência contra pessoas e bens. A situação em Cabo Delgado, Norte de Moçambique, volta a degradar-se, de acordo com testemunhos de missionários no terreno. Nas últimas semanas, terão ocorrido em aldeias como Nova Zambézia, Nova Vida, Nkoe, Nanjaba, Imbada, Bangala 2, e Iba, nos distritos de Macomia e Meluco.
Numa mensagem enviada segunda-feira, 7 de Fevereiro, para a fundação Ajuda à Igreja que Sofre (AIS), uma missionária conta que “muitas aldeias dos arredores [de Macomia] foram atacadas”, referindo que se verifica “o rapto sistemático de pessoas que se encontram nas aldeias e nas machambas [terrenos de cultivo], principalmente mulheres e mães com suas próprias crianças.”
Também o padre brasileiro Eduardo Paixão, missionário do Sagrado Coração na paróquia de Santo António (Metuge) e actual responsável pela área missionária de Meluco, na Diocese de Pemba, contou à AIS que se verifica um recrudescimento de violência depois de um período de relativa acalmia no final de 2021.
“Meluco [a pouco mais de três horas a noroeste de Pemba] e as demais aldeias não foram atacadas em Novembro e Dezembro. Estive em Meluco, celebrámos o Natal com a comunidade e parecia-nos que tudo estava muito tranquilo, que tudo estava a transcorrer muito bem.” Mas essa impressão foi ilusória: “Em 30 e 31 de Dezembro, começaram os ataques à aldeia de Nangololo, de Imbada, e depois [a violência] foi-se alastrando durante a primeira semana do ano de 2022 pelas aldeias de Mariri, que é vizinha de Muària, e que tinha a maior escola do distrito de Meluco…”
O padre Eduardo conta que “queimaram casas e na semana seguinte houve mais ataques nas aldeias em direcção ao distrito de Meluco. Foram cinco aldeias ao todo naquele distrito, que eu tenha conhecimento…” Em Chiure, pouco mais de duas horas de viagem para sudoeste de Pemba, mais de 290 famílias, cerca de mil pessoas, chegaram a um acampamento de deslocados.
A religiosa, que se encontra na mesma região mas pediu para não ser identificada, descreve um cenário muito semelhante. “No princípio deste absurdo conflito, as pessoas podiam sair e refugiar-se nas suas machambas ou em lugares escolhidos como sendo seguros. Agora, os insurgentes [nome dado localmente aos terroristas] perseguem o povo até às machambas, são despojados dos bens alimentares para a subsistência e alguns são mortos de uma maneira cruel.”
Noutros casos, conta a mesma religiosa, há apenas ameaças para que a população abandone o local ou queimam alguma casa como advertência.
Para agravar a situação, a região sofre com cortes frequentes de energia e de comunicações. “Passámos desde o final de Dezembro praticamente o mês de Janeiro todo sem comunicação e também sem energia”, descreve o padre Eduardo Paixão, citado pela mesma fonte.
Desde Outubro de 2017, quando se registaram os primeiros ataques armados, calcula-se que já tenham morrido mais de três mil pessoas e cerca de 800 mil tiveram de sair das suas casas, vivendo em abrigos improvisados em Pemba e noutras localidades.
A AIS é uma das organizações que tem apoiado esses deslocados internos no terreno, com projectos de assistência pastoral e apoio psicossocial.
Além disso, a organização católica tem fornecido também materiais para a construção de dezenas de casas e centros comunitários, e apoiado a aquisição de veículos para os missionários que trabalham junto dos centros de reassentamento que abrigam as famílias fugidas da guerra.