
O ciclone Freddy é já “considerado um dos mais fatais na história do continente” africano. Foto © Ocha/Viviane Rakotoarivony.
A passagem do ciclone Freddy deixou um rasto de destruição e morte na zona central de Moçambique ao longo dos últimos dias. Há cerca de “100 mil pessoas com necessidade de apoio”, das quais mais de cinco mil já se encontravam em centros de deslocados, muitas delas fugidas do terrorismo na região norte, em particular na província de Cabo Delgado, e que são, agora, vítimas de uma “dupla tragédia”.
As agências humanitárias estão a fazer “o primeiro contacto com a realidade, após a segunda passagem do ciclone”, que é já “considerado um dos mais fatais na história do continente”, com pelo menos 270 mortos confirmados na região sul de África, avança a ONU News esta sexta-feira, 17 de março.
Para apoiar a resposta humanitária, a ONU acaba de anunciar a entrega de 10 milhões de dólares (cerca de 9,4 milhões de euros) do Fundo Central de Resposta de Emergência, para atuar com as autoridades moçambicanas e apoiar 49 mil deslocados em 140 centros de acomodação.
Num desses centros, Tomásia Zacarias é considerada um exemplo de resiliência. Sobreviveu à tempestade que destruiu a sua casa na província da Zambézia, após ter fugido dos ataques de terroristas em Cabo Delgado, e já fala em começar de novo. Em declarações à agência da ONU para refugiados em Gogodane, distrito de Namacurra [ver vídeo abaixo], Tomásia, que neste momento lidera o chamado “espaço seguro para desabrigados”, pede ajuda.
Fenómenos meteorológicos extremos cada vez mais frequentes
Os fenómenos meteorológicos extremos são cada vez mais frequentes em Moçambique e vêm acentuar ainda mais a já profunda pobreza em que se encontra o país, assinala a Fundação Ajuda à Igreja que Sofre (AIS), que também está no terreno, a auxiliar as populações afetadas pelo ciclone. “Ainda em janeiro do ano passado, a tempestade tropical Ana atingiu o centro e norte de Moçambique causando cerca de duas dezenas de mortos e afetando milhares de pessoas. Há dois anos, foi a vez do ciclone Eloise e anteriormente, entre 2018 e 2019, dois poderosos ciclones, Idaí e Kenneth, deixaram também profundos rastos de morte e destruição”, lembra a fundação pontifícia, sublinhando que estes fenómenos “ocorriam normalmente com seis ou sete anos de intervalo”.
O bispo da diocese de Quelimane, uma das mais afetadas pelo ciclone Freddy, relatou à AIS a situação de caos e medo vivida pelas populações. “Ouvir a casa a cair em pedaços sem poder fazer nada. Perdemos o teto da casa episcopal. As paróquias e as igrejas da cidade de Quelimane também perderam os tetos. Não há energia…”, escreveu o clérigo, quase telegraficamente, numa das várias mensagens trocadas com Ulrich Kny, responsável de projetos da fundação pontifícia para esta região de África.
As palavras do bispo Hilário Massinga são corroboradas por Manuel Araújo, presidente da câmara de Quelimane que publicou diversos relatórios sobre a evolução da passagem do ciclone ao longo dos últimos dias, revelando estragos profundos em edifícios vitais como o Hospital Provincial, que ficou “com várias enfermarias inundadas e com infiltrações de água nas paredes e no teto, doentes com lençóis e camas molhadas, incluindo na Pediatria, Cuidados Intensivos a até na Sala de Operações/Cirurgia”, forçando à evacuação de doentes. Houve também inúmeras escolas que ficaram sem telhado, pontes intransitáveis, postes de energia elétrica e de telecomunicações derrubados, e grandes danos em igrejas.
Surto de cólera já fez seis mortos
Para agudizar a situação, o ciclone Freddy arrastou consigo um surto de cólera. Dados das autoridades provinciais indicam que desde esta quarta-feira, 16 de março, dos mais de 100 pacientes observados no Centro de Tratamento de Cólera do Hospital de Quelimane, seis perderam a vida.
Moçambique é um dos 12 países africanos afetados por cólera, doença associada à falta de saneamento básico e que irrompe sazonalmente na época das chuvas.
Desde setembro de 2022, o país lusófono já registou 54 mortes devido à doença e tem mais de 200 pessoas internadas nos centros de tratamento abertos nos locais onde estão declarados surtos.