“Viver com um encantamento” – um testamento espiritual de Xexão Moita

| 2 Abr 2021

No final das exéquias de Maria da Conceição Moita, conhecida entre familiares, amigos e vários círculos por Xexão, celebradas na manhã deste dia 2 de Abril, Sexta-feira Santa no calendário cristão, a família quis partilhar o texto que ela deixara. Uma espécie de testamento espiritual, que o 7MARGENS aqui reproduz com autorização da família.

 

Aquilo que eu vos deixo
Xexão, Maria da Conceição Moita

Maria da Conceição Moita em sua casa, em Setembro de 2020. Foto © Marta Parada

 

Gostava de vos deixar sobretudo a certeza de quanto vos amei, com toda a ternura, por vezes com falta de jeito.

Se vos magoei nalgum momento, mesmo sem intenção, peço desculpas.

Queria muito que guardassem de mim esta ideia – só vale a pena viver com um encantamento, com um sentido. Persegui-lo é o mais importante.

E saber que na vida todo o bem é possível.

E que a frescura do riso é coisa a não perder.

E os amigos, o dom surpreendente de cada dia.

Que a grande tarefa é ir fazendo mais humano o tecido das relações, no tempo que nos é dado. E gastar a vida a transformar o mundo que espera pela justiça e pela fraternidade.

Não deixar, a todo o custo, endurecer o coração. Porque o amor é de tudo o mais importante. Dá sentido à vida e é mais forte que a morte.

Queria que soubessem que fui uma mulher feliz. E que fiz a experiência do sofrimento indizível. Parece contraditório mas não é.

Trabalhei em projectos com um empenhamento que me iluminou a vida. Fiz caminho a caminhar.

Tive a grande dádiva de ter comigo uma Mão que sempre me salvou. E é bem verdade que conheci a alegria mais funda.

É na certeza leve e limpa que parto, sabendo que na vida não existem rupturas e acreditando que o que me espera é a plenitude do que procuro, sem ser possível imaginar.

 

Obrigada por tudo quanto me deram. Gratuitamente.

Até sempre. Xexão.

Exéquias de Maria da Conceição Moita, na Igreja de Santa Isabel, em Lisboa, 2 de Abril de 2021. Foto: Direitos reservados.

A celebração exequial, que decorreu na Igreja de Santa Isabel, em Lisboa, e foi presidida pelo padre José Manuel Pereira de Almeida, começou com a leitura de um excerto da Carta aos Romanos (8,33-39).

Seguiu-se a leitura do poema Salmo 139, a versão de Herberto Hélder para o texto bíblico:

 

Salmo 139

Tu me sondas, Senhor, e me conheces.
Sabes quando me sento e me levanto,
de longe tu escrutas as menores intenções,
reconheces minha marcha e vigias o meu sono.
Nada de mim te é estranho.
Adivinhas a palavra que se tece ainda em mim.
Estás em frente do meu rosto, estás atrás das minhas costas,
e pousaste a tua mão sobre a carne do meu ombro.
– Oh, tua ciência é a mais prodigiosa.

Como fugir à tua Face, como evitar teu Espírito?
Acho-te nos campos celestes e nas funduras da treva.
Se voo nas asas da luz para o outro lado das águas,
agarra-me a tua mão que jamais me deixará.
E se as trevas sem astros se derrubam sobre mim,
para teus olhos as noites nada mais são do que luz.

Foste tu, eu sei, quem ergueu a minha carne,
quem lentamente me urdiu no ventre de minha mãe.
Maravilho-me ao pensar no enigma criado.
De há muito já decifravas labirintos da minha alma,
e vias erguer-se a máquina dos meus ossos obscuros.
Minha vida estava inscrita no teu livro encoberto.
Ainda antes do tempo fixaras os meus dias.
Mas os teus, os teus enigmas, quem os pode decifrar?
Que se estendem pelo tempo como na terra as areias.
(…)
Tu me sondas, Senhor, e me conheces.
Adivinhas a palavra que se tece ainda em mim.
Tu que sabes do meu sono e da minha marcha incerta,
dá-me o caminho secreto para a tua eternidade.

Maria da Conceição Moita, Xexão. Foto © Cristina Brito.

 

 

O texto proclamado em seguida foi o da narração da morte de Jesus, de acordo com a versão de Lucas (23,33-24,10a). Depois da homilia, Isabel Allegro Magalhães rezou o texto que ela própria escrevera da

Oração Universal

Aqui presentes, ó nosso Deus, entregamos esta páscoa da Xexão, a sua passagem desta Terra passageira aos Novos Céus e à Nova Terra, ainda invisíveis e desconhecidos, e em que a Xexão intensamente acreditou, vivendo à luz dessa Promessa.
Meu Deus, nas vossas mãos colocamos a nossa prece.

Nós vos louvamos, ó Deus,  pela vida da Xexão: uma vida consentida, aprumada; sempre firme e sempre doce.
No seu caminho,  sem cessar procurou o vosso rosto;
inteira, lutou pela justiça, e  (como Paulo) foi conduzida à prisão;
viveu o dom de si mesma, em exigência e generosidade, na sua relação a todos e com cada pessoa;   acolheu, nos últimos meses – com o seu sorriso e em profunda serenidade –, a doença que viria apagar o seu corpo.
Meu Deus, nas vossas mãos colocamos a nossa prece.

Também nós, meu Deus, acreditamos num Novo Céu e numa Nova Terra que se nos hão-de abrir.  E neste momento vos pedimos:
para a Família da Xexão (o Luís, a Ana, as sobrinhas, os sobrinhos)
e para nós, seus muitos amigos e amigas, a sabedoria
para desenrolarmos a tristeza como quem acende uma vela,  para  consentirmos na ausência como quem decifra um oráculo, sabendo que, mesmo sem ser vista, também sobre nós se ergue a Luz da Ressurreição.
Meu Deus, nas vossas mãos colocamos a nossa prece.

No final, depois da leitura da mensagem de Conceição Moita, Francisco Fanhais entoou a Canção da Cidade Nova, que ele próprio musicou para um poema de Fernando Melro a partir do livro bíblico do profeta Isaías:

(Texto actualizado dia 3 às 13h30 com a versão final da Oração Universal lida e a fotografia da celebração)

Na cidade onde Jesus nasceu, o Natal foi cancelado

Belém "está de luto e triste"

Na cidade onde Jesus nasceu, o Natal foi cancelado novidade

Não festejar o Natal precisamente na cidade onde – segundo a tradição cristã – nasceu Jesus? O paradoxo é enorme, mas não tão grande como a tristeza e a dor que pairam nas ruas de Belém, na Cisjordânia, e que se revelam nos semblantes dos poucos que as percorrem. “Belém, como qualquer outra cidade palestiniana, está de luto e triste… Não podemos comemorar enquanto estivermos nesta situação”, afirma Hanna Hanania, presidente da câmara cessante.

Deslocados de Cabo Delgado tentam regressar a casa, mas insegurança persiste

ONU denuncia

Deslocados de Cabo Delgado tentam regressar a casa, mas insegurança persiste novidade

Durante 13 dias, a relatora especial da Organização das Nações Unidas (ONU) sobre os direitos humanos dos deslocados internos, Paula Gaviria Betancur, esteve em Moçambique. De visita à província de Cabo Delgado, observou a enorme vontade das populações deslocadas de voltar para as suas casas, mas verificou também que “persiste a insegurança” e que as comunidades não têm como autossustentar-se.

Apoie o 7MARGENS e desconte o seu donativo no IRS ou no IRC

Breves

 

Para o biénio 2023-2025

Centro de Reflexão Cristã elege direção “comprometida com orientações do Papa Francisco”

O Centro de Reflexão Cristã (CRC) acaba de eleger uma nova direção para o biénio 2023-2025, que se assume comprometida “com os princípios do Concílio Vaticano II e com as orientações do Papa Francisco”. Presidida por Inês Espada Viera (até agora vice-presidente), a direção que agora inicia funções promete “novas iniciativas”, que já estão a ser preparadas.

Em seminário nacional

Ação Católica Rural debateu desafios para o futuro

Perto de cem elementos da Ação Católica Rural, oriundos de 11 dioceses, estiveram reunidos durante o passado fim de semana, em Albergaria-a-Velha, para refletir sobre a missão do movimento nos dias de hoje, a ideologia de género e os desafios colocados pelo Papa, na sequência da Jornada Mundial da Juventude.

Portugueses em risco de pobreza aumentaram para 17%

Dados do INE

Portugueses em risco de pobreza aumentaram para 17% novidade

O número de pessoas em risco de pobreza em Portugal aumentou para 17% em 2022, tendo crescido em todos os grupos etários, mas afetando “mais significativamente” as mulheres e os menores de 18 anos. Os dados constam do mais recente Inquérito às Condições de Vida e Rendimentos (ICOR), relativo aos rendimentos de 2022, divulgado esta segunda-feira, 27, pelo Instituto Nacional de Estatística (INE).

A Bíblia Tinha Mesmo Razão?

Novo livro

A Bíblia Tinha Mesmo Razão?

Abraão e Moisés existiram mesmo ou são apenas personagens de ficção? O Êxodo do Egito aconteceu nos moldes em que é contado na Bíblia? E a conquista da “Terra Prometida” é um facto ou mito? É inevitável que um leitor contemporâneo se pergunte pela historicidade do que lhe é relatado na Bíblia. Um excerto do novo livro de Francisco Martins.

Agenda

Fale connosco

Autores

 

Pin It on Pinterest

Share This