
“Nada se tornou mais irónico na sociedade atual do que os debates sobre como voltar à produtividade, quando tantos estão a gritar pelo descanso da sua mente e corpo.” Foto © Italo Melo | Pexels
Enquanto pensava no que iria escrever este mês, havia uma palavra que não saía da minha mente: “descanso”. Obtive a confirmação desta quando, por coincidência ou não, este foi o tema escolhido pela Aliança Evangélica Europeia para a sua semana universal de oração, realizada de 9 a 16 de janeiro de 2022. Os líderes evangélicos apelam a que todos possam viver no ritmo de Deus porque estamos a ser engolidos por uma onda de homens e mulheres sobrecarregados, completamente esgotados e sem força para lutar mais pela vida. Nada se tornou mais irónico na sociedade atual do que os debates sobre como voltar à produtividade, quando tantos estão a gritar pelo descanso da sua mente e corpo.
E por isso não é fácil falar sobre descanso. Começo por assumir-me millenial e por causa disso sou facilmente definida pelo que faço. E creio que não sou apenas eu que facilmente vê a sua identidade confundida com a sua carreira. “Olá, eu sou a Débora e trabalho em administração e marketing.” Quantos de nós se apresentam assim? Porque aquilo que somos se confunde tantas vezes com aquilo que fazemos, descanso é sinal de fracasso. E não é fácil falar sobre isto num jornal de informação religiosa, porque também nós somos absorvidos com o ativismo religioso.
Mas gostaria de trazer aqui outra perspectiva.
Se recuarmos ao relato de Génesis é-nos mostrado que ao sétimo dia Deus descansou. Mas se Deus é Todo-Poderoso, por que precisava Ele de descansar? O descanso de Deus é um ato de generosidade para connosco. Deus não necessitava de descansar, mas sabia que nós necessitaríamos. O nosso sistema biológico foi criado para ter os tempos certos de trabalho e de descanso. Quando estes ritmos são alterados, conhecemos o resultado, também biológico: cansaço, fadiga, falhas de memória, défice de atenção, sistema imunológico enfraquecido, irritabilidade e tristeza – e os sintomas continuariam. Por isso, descanso é sinal de compaixão. Compaixão de Deus por nós, compaixão por nós próprios e pelos outros. Fomos criados para viver num ritmo certo, que equilibra o trabalho com o descanso, a labuta com o lazer, o esforço com a contemplação. Por isso, pare e não tenha vergonha disso. Descanso não é sinal de fraqueza, mas sim de inteligência. Se não vivermos no ritmo certo, o mais certo é que não viveremos de todo. Deus criou o trabalho e igualmente o descanso. Não abdique de nenhum deles.
Há uns bons anos ouvi o pastor Tiago Cavaco falar sobre o descanso. “Se descansar fosse fácil não era mandamento”, dizia ele, referindo-se ao quarto mandamento da Lei de Moisés. De facto, não somos a única geração que luta com o problema da falta do descanso. Todos os que pisaram esta terra lutaram com ele porque infelizmente há uma tendência para sobrevalorizarmos a nossa autossuficiência. Ao proclamá-la, perdemos a oportunidade de descansar e ser cuidados por outrem. Era isso que Deus estava a recomendar no quarto mandamento: “Descansem porque eu cuido de vocês. Os seis dias de trabalho são suficientes. Descansem e contemplem o mistério da providência divina.” Assim, descanso é muito mais do que cessar funções, é acreditar que, na nossa impossibilidade, haverá sempre alguém que cuidará de nós.
Por isso o mundo grita por descanso. Não é simplesmente um protesto ao trabalho que muitas vezes é de sonho. É, sim, um pedido por compaixão, cuidado e providência. E destes três, todos nós precisamos um pouco.
Como alguém sábio me disse: “Se não arranjarmos tempo para o nosso bem-estar, seremos forçados a arranjar tempo para a nossa recuperação.” Se não arranjarmos tempo para o descanso, precisaremos de tempo para combater os efeitos da falta dele. Por isso, encontremos tempo para cuidar de nós através do descanso necessário. Não tenhamos medo de mostrar que temos compaixão pela própria vida, ao abdicar de funções não essenciais, em favor do próprio bem-estar. A providência divina cuidará o que é importante e relevante. Mesmo que o mundo viva num ritmo desenfreado, tomemos coragem e vivamos no ritmo certo.
Débora Hossi é gestora de redes sociais; considera-se peregrina, integra a Missão Evangélica Intercultural e é apaixonada por Jesus e pelos seus ensinamentos.