
“Nesta sessão de homenagem referi também a abertura à novidade que a Manuela sempre mostrou ao longo da vida, e lembrei a correspondência que trocámos sobre a hipótese de aproveitar a robótica para as éticas do cuidado, o que mostra bem o interesse da Manuela por tudo quanto era inovação.” Foto © Fundação Betânia
Para a programação das suas conferências de Maio deste ano, o Centro de Reflexão Cristã escolheu o título Fé cristã, profecia e cidadania: quatro legados para o século XXI. E propôs-se lembrar quatro figuras marcantes nesta área: Aristides de Sousa Mendes, Maria de Lourdes Pintasilgo, Alfredo Bruto da Costa e Manuela Silva.
Nesta última sessão, ocorrida a 24 de Maio, os intervenientes foram Fernando Gomes da Silva, seu amigo e colega em muitas das actividades em que conjuntamente se viram envolvidos, Rita Beirão da Veiga, que com ela colaborou afincadamente na Rede Cuidar da Casa Comum, da qual é presidente depois da morte da Manuela, e eu própria, enquanto participante activa no início desta instituição e presentemente membro do Foco de Conversão Ecológica da Capela do Rato, uma concretização da Rede.
As três intervenções foram, como era de esperar, diferentes – Fernando Gomes da Silva lembrou a sua longa amizade e colaboração com a Manuela, elogiando a frontalidade, a coragem e a resiliência com que desempenhou os cargos políticos que lhe foram atribuídos ao longo dos anos e traçando-nos o perfil de alguém que sempre se bateu pela justiça, procurando melhorar as condições dos mais desfavorecidos e lutando pelos seus direitos. A Rita Veiga debruçou-se sobre a Rede Cuidar da Casa Comum, falando-nos do entusiasmo da Manuela pela criação desta rede ecológica, numa linha de resposta ao desafio que nos colocou a encíclica Laudato Si’.
Ao preparar a minha intervenção verifiquei que era a sétima vez que iria falar da Manuela e que certamente me repetiria. Optei por orientar a minha homenagem apresentando concretamente algo que a Manuela não chegou a conhecer – o Foco de Conversão Ecológica da Capela do Rato – mas que foi uma das consequências da sua preocupação em criar grupos de espiritualidade ligados à Natureza. Daí ter iniciado a minha exposição, falado do modo como este Foco foi criado. Trata-se de um grupo que se formou já depois da morte da Manuela e que na leitura e comentários partilhados da Laudato Si’ tem descoberto caminhos de resposta a uma economia celebrativa da vida. Estou segura de que a Manuela gostaria do modo como o Foco tem funcionado, ela que se empenhou em divulgar a mensagem papal em diferentes zonas do país onde promoveu sessões de apresentação da Rede Cuidar da Casa Comum, numa tentativa de alterar comportamentos e de promover uma maior vivência de uma ecologia integral. Esta actividade deu fruto, pois os Focos de Conversão Ecológica multiplicaram-se, mantendo-se fiéis às orientações gerais que presidiram à sua criação, mas manifestando um cunho próprio nas actividades que vão realizando.
Penso que a Manuela ficaria contente com o trabalho feito pelo Foco da Capela do Rato, um grupo empenhado no estudo e na meditação mas também aberto à comunidade, convidando-a à descoberta do meio envolvente – uma das actividades mais recentes foi uma visita guiada aos Jardins da Gulbenkian, de modo a perceber as intenções que levaram à sua concepção por parte de arquitectos paisagistas de renome.
Nesta sessão de homenagem referi também a abertura à novidade que a Manuela sempre mostrou ao longo da vida, e lembrei a correspondência que trocámos sobre a hipótese de aproveitar a robótica para as éticas do cuidado, o que mostra bem o interesse da Manuela por tudo quanto era inovação. E ainda na linha do cuidado lembrei, de um modo pessoal, o modo como me ajudou a resolver um problema, mostrando a sua capacidade de atenção aos outros e de empenhamento concreto nas suas vidas.
Penso no entanto que, para além das participações previamente programadas, a riqueza maior desta sessão de homenagem foi a participação do público que, com lembranças pessoais e de um modo espontâneo, também quis dar testemunho da sua amizade pela Manuela e do modo como ela estivera presente nas suas vidas. E assim, quando a sessão se aproximava do fim, criou-se um novo registo de partilha de recordações, partilha essa feita pelos amigos e amigas da Manuela que espontaneamente recordaram episódios em que ela ocupara um lugar determinante nas suas vidas, nas opções que tomaram, nas leituras e estudos que fizeram devido aos desafios por ela propostos.
De repente, deixou de haver diferença entre os conferencistas e o público e todos se encararam como amigos da Manuela, partilhando vivências comuns. E lembro no final o testemunho tocante de uma habitante da Benedita, onde a Manuela desenvolvera uma acção social relevante para o desenvolvimento da população local. Conhecíamos este episódio que nos fora relatado pela própria Manuela como sendo um dos aspectos que recordava com agrado. Ver e ouvir uma pessoa que estivera envolvida nessa acção social e que se lembrava da Manuela com saudade comovida, foi o melhor final para esta sessão de homenagem. E certamente que este testemunho foi uma óptima concretização do desiderato das Conferências de Maio promovidas pelo CRC, onde foram lembrados diferentes legados relativos à fé cristã, à profecia e à cidadania.
Maria Luísa Ribeiro Ferreira é professora catedrática de Filosofia da Faculdade de Letras de Universidade de Lisboa