
O bispo Georg Bätzing lamentou que os seus pares não tivessem sido capazes de dar voz às divergências. Foto © Synodaler Weg/Maximilian von Lachner.
A recusa dos “princípios de uma ética sexual renovada” originou um forte tremor de terra esta quinta-feira, em Frankfurt, no arranque da quarta e penúltima sessão do Caminho Sinodal da Igreja Católica da Alemanha. A votação deu-se a meio da tarde, na sequência de uma série de perto de duas dezenas de intervenções e tinha por base um dos documentos “fundacionais” do Sínodo, o qual se encontrava já em segunda leitura, incorporando críticas, sugestões e aprofundamentos surgidos dos debates e sessões de escuta de etapas anteriores.
O texto com os “princípios para uma ética sexual renovada” parte da verificação de que os ensinamentos da Igreja acerca da sexualidade levaram e continuaram a levar muitas pessoas e famílias a situações de grande sofrimento e que as mudanças ocorridas nas nossas sociedades, nas últimas décadas, obrigam a uma reflexão aprofundada, de caráter teológico e pastoral. Assim, na parte das orientações e princípios, o documento apresenta pistas sobre temáticas tais como “a sexualidade como dom e mandato criativo”; valorização da identidade sexual na sua diversidade ao longo da vida de uma pessoa; assunção da multidimensionalidade da sexualidade humana; a fertilidade e a sua multidimensionalidade, incluindo nos casais homossexuais; a beleza vivificante do desejo sexual; a sexualidade como relação consigo mesmo e com os outros.
Quando a moderadora abriu as votações, feitas por via eletrónica, a votação geral foi expressiva: mais de 80 por cento dos 190 membros sinodais presentes pronunciaram-se pela adoção do texto em apreciação (apenas 9,5 por cento se opuseram e 8,4 abstiveram-se).
Parte dos bispos calou-se no debate e depois votou contra
Contudo, segundo as regras deste Caminho Sinodal, que haviam sido acertadas com o Vaticano, para que a votação fosse válida, teria de recolher também pelo menos dois terços dos votos entre os bispos sinodais. A surpresa aconteceu quando surgiram os resultados no ecrã: apenas 61 por cento dos membros do episcopado sufragaram o documento. Em claro contraste com o tom geral das intervenções no debate, onde as críticas ao documento no seu todo não foram significativas.
O choque foi evidente na sala de congressos em que decorre até sábado esta quarta sessão, o que levou à interrupção dos trabalhos. O presidente da Conferência Episcopal Alemã, Georg Bätzing, que é também copresidente desta iniciativa, sentiu-se na obrigação de ir aos microfones manifestar o seu desapontamento pessoal pelo resultado. Lamentou que os seus pares não tivessem sido capazes de dar voz às suas divergências, sublinhou que este resultado não impede votações subsequentes que têm a ver com a implementação de ações relacionadas com a mesma matéria, mas disse aceitar as consequências dos resultados.
Bem mais contundente foi a também copresidente do Caminho Sinodal, Irme Stetter-Karp, que preside ao Comité Central dos Católicos Alemães.
“Há, nesta assembleia, lamentou Stetter-Karp, bispos com grandes responsabilidades que se recusaram a debater, não expressaram os seus pontos de vista e vieram a votar contra o documento. Isto significa um desrespeito por muitas pessoas que dedicaram milhares de horas a trabalhar, a escutar e a construir propostas. A sua posição defraudou as minhas expectativas, não por terem uma opinião diferente, mas porque não se mostraram com a responsabilidade que era esperada.”
A dirigente católica observou ainda que nada garante que esta fuga à discussão não continue na apreciação e votação de outros temas importantes para os membros da Igreja alemã. “Se isto é assim, para que estamos aqui? Assim não vale a pena continuar”, desabafou ela, com os olhos em lágrimas e sob um forte aplauso da audiência.

Instalada a crise, parar para (re)pensar
Perante a situação gerada, o bispo Bätzing voltou a intervir, reconhecendo que não havia condições para prosseguir a densa agenda pré-estabelecida e devolveu à assembleia a palavra sobre o modo de proceder.
Depois de um demorado debate, foi decidido que cada um deveria ter um tempo para meditar no que tinha acabado de se passar, para conversar com outros e buscar caminhos para avançar.
Ainda estas palavras ressoavam na sala, e um grupo musical entoava o cântico de Taizé, inspirado em Teresa de Ávila: “Nada te turbe, nada te espante, só Deus basta”.