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Na última segunda-feira (13/06/2022), o jornal Folha de São Paulo publicou uma entrevista com o teólogo e pastor batista Yago Martins, intitulada Pastor anti-Bolsonaro e anti-Lula diz que presidente atraiu evangélicos com ‘urgência apocalíptica’. Na entrevista, Yago faz uma leitura do apoio evangélico a Bolsonaro em 2018 e se posiciona em relação à eleição presidencial de 2022, na qual, possivelmente, Jair Bolsonaro e Lula Inácio da Silva entrarão em disputa. O jovem pastor mediático, conhecido por seu canal no Youtube Dois Dedos de Teologia, com 723 mil inscritos, há alguns anos se dedica a ensinar, do ponto de vista teológico da tradição reformada, como o cristão deve se portar em sua fé, desde assuntos de relacionamentos à política. Yago Martins defende, por exemplo, uma política de armas e faz forte apelo à liberdade do indivíduo e à moralidade cristã. Recentemente, Yago entrevistou quatro pré-candidatos a presidente, mostrando-se empenhado no debate político, sobretudo acerca das pautas de interesse do público cristão. Seus entrevistados foram: Ciro Gomes (PDT – Partido Democrático Trabalhista), Pablo Marçal (PROS – Partido Republicano da Ordem Social), Felipe D´Avila (Novo) e Sergio Moro (União Brasil), que decidiu não prosseguir com sua candidatura.
Em entrevista à Folha, Yago Martins disse, contudo, sofrer de um “ateísmo político profundo” tendo em vista a gestão de Bolsonaro – em quem votou no primeiro e segundo turno de 2018 – e o possível retorno de Lula em 2023. Alguns pontos da entrevista chamam atenção; primeiro, por que a figura de Yago Martins ganhou destaque em um dos maiores jornais do país em termos de circulação? Cabe apontar que Yago não é especialista em conjunturas políticas e seu olhar para a política é um olhar preocupado em preservar valores morais e religiosos em uma sociedade em crise. Mas não apenas. Sua visão de mundo também incorpora o princípio das liberdades individuais, muito presente na sociedade americana, onde há uma tendência à autonomia dos indivíduos em relação ao Estado; os indivíduos são responsáveis, por exemplo, pela própria proteção (política de armas) e saúde.
O segundo ponto diz respeito à própria posição política de Yago que, com convicção, votou em Bolsonaro em 2018, mesmo ciente da sua incompetência política, porque ele representava um contraponto ao PT; mas hoje, após as negligências do Governo em relação à pandemia da covid-19, Yago se coloca em oposição tanto a Bolsonaro, quanto a Lula, colocando ambos os governos no mesmo barco. No entanto, sua posição não apenas desacredita os governos, mas a própria instituição democrática quando diz que pensa em não exercer seu direito ao voto neste ano eleitoral. Ele esquece que é um líder carismático e, portanto, capaz de influenciar outros indivíduos à mesma decisão; não seria sua posição um perigo político?
O terceiro ponto refere-se, exclusivamente, ao conteúdo do seu discurso; tendo em vista que se trata de uma entrevista dada a um dos maiores jornais do país, espera-se que o entrevistado conheça a realidade que deseja explicar, mas Yago reduz a complexidade do contexto político-social brasileiro à polaridade esquerda/direita. Além disso, equipara, irrefletidamente, os governos petistas ao Governo Bolsonaro, afirmando ambos como autoritários e, deste modo, não fazendo jus nem aos factos, nem ao conceito. Yago não se esforça, em nenhum momento, para explicar o sentido do seu léxico político-religioso, tornando-os em mera construção retórica. É importante destacar, atentando aos fatos, que desde a Constituição de 1988 até o Governo Bolsonaro, não tínhamos visto o Presidente da República desafiar, insultar e estimular a hostilidade às instituições democráticas do país. Yago é, portanto, genérico e, por vezes, confuso em todas as respostas dadas à entrevistadora, levando-nos novamente à pergunta do início deste texto.
Um outro aspecto do seu discurso é que repetidas vezes, ao falar do voto evangélico em Bolsonaro ou em Lula, ele utiliza os termos “crente/cristão comum” e “igreja evangélica comum”, colocando-se como um outsider desses grupos e, quiçá, em uma posição superior. O “crente comum” ou a “igreja evangélica comum” são criticados por Yago por acreditarem na “urgência apocalíptica de Bolsonaro”, ligada às pautas antiaborto e homossexualização das crianças em escolas, as quais ele também endossa; o “cristão comum” refere-se aos grupos neopentecostais que, na visão de Yago, são mais sucetíveis a uma aliança com o Governo Lula devido à pauta económica. Assim, a entrevista de Yago cumpre o papel de afastar o voto evangélico de Bolsonaro e de Lula e, em última instância, de fazer esse grupo abster-se do voto em qualquer candidato. Essa postura se justifica pelo fato de Yago, como liberal, acreditar que o papel do Estado deva ser mínimo e, no melhor dos mundos, nulo. Contudo, os evangélicos deste país devem, de facto, se orientar pela vacuidade desse discurso? Quais interesses seu desinteresse atenderá?
Maria Angélica Martins é socióloga e mestra em Ciências da Religião pela Pontifícia Universidade Católica de Campinas, Brasil. Pesquisa a relação entre fenómeno religioso e política com ênfase para o protestantismo histórico e o neocalvinismo holandês.