
“O sacramento da Penitência ou da Reconciliação, a confissão auricular – determinada como obrigatória, pelo menos uma vez por ano, pelo Concílio de Latrão, em 1215 – oscila entre a má memória para muitos, a purga psiquiátrica para outros e o perdão ainda como presença activa.” Foto © Pexels
Apesar do incremento que lhe vai dar a Jornada Mundial da Juventude, com 150 confessionários estendidos pelo Parque do Perdão, em Belém, com a particularidade de serem manufacturados por presos de algumas cadeias portuguesas, o sacramento da Penitência ou da Reconciliação, a confissão auricular – determinada como obrigatória, pelo menos uma vez por ano, pelo Concílio de Latrão, em 1215 – oscila entre a má memória para muitos, a purga psiquiátrica para outros e o perdão ainda como presença activa.
Para nenhum penitente aconteceu essa confissão auricular, nas vésperas do último Natal, numa diocese do norte do país. Por duas horas, três párocos sentaram-se nos respectivos confessionários, de modelo tradicional. Durante esse tempo, nenhum penitente para ali dirigiu os passos. Ninguém se levantou nem se ajoelhou. Ninguém pediu perdão.
Semelhante colheita obtiveram os mesmos padres numa paróquia vizinha em que os penitentes não chegaram a uma dúzia: três para dois deles, quatro para o terceiro. As mesmas duas horas em tempos de Advento. Mais recentemente, foi uma plateia completa de crianças que não avançou para os mesmos confessionários, eventualmente desmotivadas pelos pais de o fazer.
(Quão longe vão as “confessadas” de antanho que juntavam párocos e párocos, brindados, no fim daquela actividade pastoral, com simpáticos jantares…)
Perdas quase completas

“O número de participantes nas missas dominicais tem descido. Estão em redução as inscrições na catequese, não havendo mesmo nenhumas em algumas paróquias.” Foto © ACN-Portugal
Estes são alguns dados para a avaliação da pastoral que se faz, actualmente, na Igreja Católica que está em Portugal. O número de participantes nas missas dominicais tem descido. Estão em redução as inscrições na catequese, não havendo mesmo nenhumas em algumas paróquias. Os operários perderam-se para a Igreja já nos anos 70 do século passado. Os jovens já lá não estão também. Falta perder as mulheres que já tiveram presença na Igreja na ordem dos 85%.
Restam ainda nos templos, com relativa abundância, os velhos, eles e elas, com a religiosidade possível. Os antigos movimentos da Acção Católica, em diferentes tons, são reminiscências de grata memória, mas também agonizantes. Os seminários permanecem dramaticamente vazios. Ao contrário, subsistem fulgurantes, por todo o mundo, as saudades do latim e da liturgia arcaica dos seguidores do arcebispo Lefébvre, excomungado por João Paulo II e reabilitado por Bento XVI. Há também, entre nós, em vários templos do país, saudosistas dessas “liturgias encardidas pelo tempo”.
Enquanto Roma vigia o ensino eclesiástico na Espanha, por lá gravitam, com sucesso, os seminários Redemptoris Mater do Caminho Neocatecumenal do inspirado Kiko Argüello. Entre nós estão prósperos, esses seminários, nas dioceses de Lisboa, Porto, Braga, Évora e Beja.
Por outras liturgias ainda brilham e trinam pregoeiros do trompete, de fardas bem forradas, em passadeiras vermelhas. Por outro lado, e por todo o país, milhentas residências paroquiais apodrecem, sem inquilinos. Não sobra sensibilidade para aí erguer creches, centros de dia ou outros equipamentos necessários.
Uma fé incipiente?
É sabido que se desenvolvem epifenómenos, ditos espirituais, apadrinhados por “aparições” a “claros videntes”, em tempos de guerra. E não só na Bósnia-Herzegovina…
Onde está a doce serenidade da mensagem do hábil carpinteiro de Nazaré, Jesus, que deu azo a nobres catedrais e mesas domésticas, onde se fazia a partilha do pão e se transmitia a ajuda solidária, a quem não aguentava o chão da vida? Estamos na iminência de perder o suor e as lágrimas de quem acredita numa fé ainda que incipiente?
Não tenha servido a pandemia de panaceia para justificar a afasia de uma Igreja que já bateu no fundo (vejam-se as procissões dos abusos sexuais do clero, ainda sem penas para os abusadores e pouca sensibilidade para as vítimas), perdendo capacidade para dar mão à Esperança. E a precisar de ressurreição.
Manuel Vilas Boas é padre e jornalista.