
Celebração da missa nesta quinta-feira, no congresso de Braga: a mudança é necessária e urgente, sabe-se que direcções tomar, mas não se sabe como fazer. Foto © António Marujo
Em duas coisas coincidem os intervenientes no congresso internacional Erguendo os Olhos e Vendo, sobre os seminários católicos: a primeira é que o actual modelo de formação dos presbíteros, desenhado para responder à crise do catolicismo europeu do século XVI, já não serve; a segunda é que as mudanças a introduzir no modelo de formação devem ter em conta as mudanças culturais, sociais, afectivas, políticas e económicas das últimas décadas. Mas o problema está no modo de fazer a transição para o novo modelo – que ainda ninguém arrisca dizer como deve ser.
O segundo dia do congresso que decorre em Braga até ao próximo sábado, 19, teve três momentos essenciais: as intervenções da teóloga espanhola Cristina Inogés Sanz, que integra a comissão metodológica do Sínodo católico (e é colaboradora do 7MARGENS) e do teólogo francês Hervé Legrand, padre dominicano; e a apresentação do relatório da comissão organizadora.
Cristina Inogés tentou responder à pergunta sobre se se deve continuar formando seminaristas para um modelo esgotado; falou de um “desastre” anunciado desde há muito e propôs que as questões afectivas, emocionais e sexuais sejam afrontadas também nos seminários. Hervé Legrand referiu a importância da pluralidade de experiências dos padres – incluindo em termos de exercício de profissões “laicas”.
No relatório da comissão científica do congresso – composta por três padres e quatro leigos, incluindo uma mulher –, registam-se, no final, várias perguntas sobre o futuro dos seminários: porque não dados disponíveis sobre a realidade dos seminários? Quem deseja hoje os seus filhos nos seminários? Não será o estilo de vida dos padres um dos maiores obstáculos a que outros desejem assumir o ministério ordenado? Alguém quis saber porque não se sentem os jovens atraídos pela vida de padre? E sobre aquilo que eventualmente os poderia fazer pensar no assunto? Como proporcionar hoje às mulheres uma maior participação no governo, liturgia e pregação nas igrejas? Que preparação de líderes de comunidades existe para o facto de haver comunidades que celebram sem padre? E os baptizados são escutados para pensar e decidir sobre estas matérias?
Problemas e desesperanças

O extenso documento propõe que o actual modelo de clérigo católico tem de passar de um padre “como representante de Cristo” ou de um corpo clerical para o modelo do líder de comunidades; de um modelo de poder concentrado e absoluto “a um modelo de acompanhamento da comunidade”; da uniformidade de formação a um perfil variado, que inclua “celibatários e não celibatários; tempo inteiro e tempo parcial; celebrantes, directores espirituais, formadores, coordenadores, pregadores, etc.”, e com diferentes processos formativos; e com processos de escolha das lideranças comunitárias que envolvam as próprias comunidades e não nasçam da “imposição” do bispo.
Hervé Legrand também defenderia na sua intervenção que “a vocação é dada pela Igreja, pela comunidade”.
No documento da equipa científica partia-se de um contexto marcado por alguns problemas: a violência e abuso sobre crianças na Igreja Católica; a eclosão da invasão da Ucrânia pela Rússia; a elaboração da Ratio Nationalis – O Dom da Vocação Presbiteral, documento regulador da formação nos seminários; e o Sínodo sobre a Sinodalidade, promovendo a participação, a comunhão e a evangelização.
Também o quadro de desesperança dos jovens, o aumento das desigualdades sociais, a “economia que mata” e degrada o ambiente e esbulha e a pandemia da covid 19 marcam os “tempos de complexas mudanças” que se vivem, em que muitas pessoas abandonam a Igreja.
Apesar da ausência quase absoluta de estatísticas, a comissão recolheu alguns dos últimos dados disponíveis na página da Conferência Episcopal Portuguesa: somando os diocesanos e os religiosos, havia, em Portugal, 547 seminaristas em 2000, 444 em 2008 e 417 em 2014 – perto de 25 por cento de redução entre 2000 e 2014.
Hervé Legrand referiu também algumas das condicionantes sociais da formação dos novos padres: por exemplo, há hoje menos filhos nas famílias e o celibato de filhos único é menos possível do que em famílias alargadas.
O teólogo francês citou um texto do II Concílio do Vaticano que diz que “os pastores, com a ajuda da experiência dos leigos, estão em estado de julgar mais claramente e mais exactamente em matéria espiritual e temporal”. Defendeu que no exercício do ministério o “primeiro critério deve ser o bem dos fiéis”; que o ministério na Igreja “não tem de ser sempre o ministério ordenado”; e que ordenar padres casados significa que haverá experiências profissionais e também experiência sobre sexualidade.
Inteligência emocional

Cristina Inogés introduziu precisamente a questão da presença da linguagem afectiva nas casas de formação dos futuros padres – incluindo as questões LGBT e a presença de mulheres no processo formativo. “Os seminários católicos devem abrir a porta à alfabetização emocional, ajudando os seminaristas a saber gerir emoções e assumir sentimentos e afectos”, defendeu a teóloga.
A inteligência emocional deve estar presente nos seminários, de modo a “sentir, conhecer, canalizar e modificar estados emocionais em si mesmo e nos demais”, de modo a equilibrar as emoções e não a reprimi-las. Leigos, padres e bispos – “de cuja formação permanente não se sabe muito” – necessitam de uma formação permanente na linha afectiva. “Saber falar do nosso mundo emocional não nos faz mais frágeis nem vulneráveis.”
O modelo de formação nos seminários que ainda subsiste leva a que os padres apareçam como “homens com coração de aço” no que se refere a sentimentos. No entanto, referiu Cristina Inogés, Jesus chorou em público, acariciou crianças, falou com mulheres – tudo coisas proibidas na época; e Thomas Merton, um dos mais importantes místicos contemporâneos, apaixonou-se por uma enfermeira que o tratou; tendo rompido o voto de castidade, tinha decidido, pouco antes de morrer, continuar a ser monge mas vivendo a sua relação com M. – a mulher que apenas identifica assim, nos seus escritos.
Sobre o papel das mulheres, Cristina Inogés foi assertiva: “Os seminários continuam a formar sem a presença de mais de metade da humanidade que somos as mulheres; e irão trabalhar rodeados de mulheres – segundo os últimos estudos, 80% da Igreja são mulheres.”