
Três pessoas morreram na catedral de Notre Dame em Nice, em 2020.
Os lugares de culto de diferentes religiões são os alvos mais fáceis de ataques terroristas na Europa: entre os 282 ataques terroristas ocorridos na Europa, entre 2000 e 2015, um total de 63 (ou seja, 22,3%) teve como objectivo uma igreja, mesquita, sinagoga ou outros lugares de culto.
Os dados são recolhidos pela Global Terrorism Data, base de dados global sobre terrorismo, e foram divulgados numa reunião do projecto Safer and Stronger Communities in Europe (SASCE, Comunidades Mais Seguras e Fortes na Europa), promovida em Lisboa pela Conferência das Igrejas Europeias (CEC) e pelo Conselho Português de Igrejas Cristãs (Copic).
O projecto SASCE pretende formar líderes e responsáveis de comunidades religiosas no sentido da prevenção de ameaças e da promoção da segurança de locais e comunidades religiosas em Portugal, através do reforço dos laços internos entre os membros de cada comunidade e entre as diferentes confissões religiosas. Temas como riscos, desafios à segurança e ameaças foram abordados pelos responsáveis, no encontro que decorreu na catedral de São Paulo, da Igreja Lusitana (Comunhão Anglicana), em Lisboa, dias 7 e 8 de Março (últimas segunda e terça-feira).
A GTD registou ainda atentados em cemitérios e memoriais (5), centros culturais e museus (6), escolas e universidades (15), sendo que alguns destes podem ser também lugares relacionados com confissões religiosas (ver o gráfico a seguir).

Ataques terroristas na UE 2000-2015 contra alvos fáceis; Fonte GTA. Os ataques a lugares de culto estão assinalados pela barra vermelha.
“Com o aumento dos atentados terroristas, a Comissão Europeia considerou que as comunidades religiosas deveriam também fazer alguma coisa para a protecção dos seus lugares de culto”, explica Elizabeta Kitanovic, secretária executiva da CEC para os Direitos Humanos. Por isso surgiu o projecto SASCE, que reúne, além da CEC, a rede muçulmana Faith Matters, o Centro de Segurança e Crise do Congresso Europeu Judaico (SACC-EJC, na sigla inglesa) e a União Budista Europeia.
Por detrás desta ideia está o alargamento do conceito de espaço público a vários locais, incluindo os lugares de culto. Isso implica “estabelecer o tipo de defesa a criar”, diz Dany Choueka, do SACC-EJC, bem como ter meios de aplicação da lei, meios físicos e técnicos de vigilância, e ainda o entendimento de que cada pessoa é “embaixadora de segurança”. Maria-Luiza van de Westelaken, directora de políticas internas na Comissão Europeia, acrescentava que “colocar a comunidade religiosa a saber lidar com segurança e situações de crise é o objectivo do projecto SASCE” e da realização da reunião de Lisboa.
“Não há liberdade religiosa sem segurança e protecção das comunidades e em especial das minorias religiosas”, afirmou, na abertura dos trabalhos, o bispo da Igreja Lusitana, Jorge Pina Cabral. “Cabe ao Estado e às forças de segurança proteger os mais vulneráveis, mas é trabalho de todos criar um clima de diálogo, de respeito e de cooperação que dissipe as tensões existentes e que muitas vezes levam a actos de violência.”
Os vários intervenientes coincidiram na análise de que Portugal é um dos países mais seguros da Europa, também a este nível. O subintendente Iuri Rodrigues, do Departamento de Informações da Direcção Nacional da PSP, dizia que “não há ameaças significativas” e, por isso, as comunidades religiosas podem ser tentadas a facilitar – o que acaba por constituir um risco.
Para evitar que isso aconteça, seja por parte de grupos organizados – nomeadamente de extrema-direita pelo racismo e xenofobia, ou alguns de extrema-esquerda quando o alvo é Israel –, seja de perpetradores individuais (pessoas doentes, por exemplo), as comunidades devem prevenir, defende o responsável policial.
É importante tomar “consciência das ameaças que se colocam ao exercício da liberdade religiosa na nossa sociedade”, tendo em conta o aumento de “discursos xenófobos e racistas”, por exemplo, dizia também Pina Cabral. “Ataques a mesquitas, a sinagogas e a igrejas, bem como a profanação de cemitérios, têm vindo a acontecer um pouco por toda a Europa”, acrescentava o bispo.
Incidentes como o da Basílica de Notre Dame de Nice (França), em Outubro 2020, junto a uma sinagoga de Viena (Áustria), alguns dias depois, ou de Hagen (Alemanha), em Setembro do ano passado, de novo contra uma sinagoga, são apenas alguns dos exemplos recentes. “Quem ataca edifícios ataca também pessoas concretas e muitos destes ataques têm-se traduzido em perda de vidas. Quando uma religião é atacada as restantes também o são porque todos somos filhos e filhas de Deus”, afirmava Pina Cabral.