
Kyfork Aghobjian, no seminário de formação de líderes, em Lisboa: Portugal foi escolhido por manifestar “abertura e tolerância”. Foto © António Marujo
O Centro Internacional Rei Abdullah bin Abdulaziz para o Diálogo Inter-religioso e Intercultural (KAICIID, da sigla em inglês) irá transferir a sua sede para Lisboa a partir de Maio, soube o 7MARGENS junto de responsáveis da instituição, que organizou em Lisboa um seminário de formação de líderes. Nascido em 2007 sob o impulso do Papa Bento XVI e do rei saudita que lhe dá o nome, na sequência dos atentados do 11 de Setembro de 2001 nos Estados Unidos, o centro tomara em Outubro a decisão de transferência de Viena para Lisboa por considerar Portugal como “um farol do multiculturalismo” e um país que sempre manifestou a “abertura e tolerância” como “características fortes da identidade nacional do país”.
Kyfork Aghobjian, arménio e responsável do programa de bolseiros do KAICIID, assegura, em declarações ao 7MARGENS, que essas características fazem de Portugal “a nova sede perfeita para uma organização como o KAICIID”. Em Viena de Áustria, a organização “foi frequentemente arrastada para discussões políticas nacionais que não estavam relacionadas com o trabalho” que pretende fazer, mesmo se a instituição tentou que isso não interferisse na sua missão e por isso se considerou melhor sair da capital austríaca.
Nos últimos meses, o KAICIID tem estado em contacto com decisores políticos portugueses e líderes religiosos “que têm sido extremamente acolhedores e solidários”, diz Kyfork Aghobjian. “Estamos desejosos de reforçar essas relações e de colaborar mais estreitamente assim que tivermos mudado completamente para Lisboa”, acrescenta o responsável.
Durante o seminário de formação em Lisboa, os participantes dedicaram uma tarde a visitar três locais de culto, contactando com os seus responsáveis: a igreja católica de São Domingos, a igreja-catedral de São Paulo, da Igreja Lusitana (Anglicana) e a Mesquita Central de Lisboa. Também a Fundação Aga Khan participou já em várias iniciativas do KAICIID e a Nunciatura Apostólica (embaixada da Santa Sé) em Portugal também tem estado em contacto com a instituição.
A decisão de mudar a sede foi tomada pelo Conselho das Partes, um dos dois órgãos de governo do KAICIID, composto por representantes dos quatro estados fundadores: Arábia Saudita, Espanha, Áustria e Santa Sé. Organização intergovernamental, regida pelas normas do direito internacional, o Centro tem um segundo órgão dirigente: o Conselho de Administração, constituído por líderes religiosos, reunindo assim decisores políticos com seguidores e líderes de diferentes tradições religiosas.
Este conselho, com o Fórum Consultivo, que reúne mais de 60 líderes religiosos das principais tradições religiosas e culturais do mundo, permite ao KAICIID “ligar em rede comunidades de todo o mundo”. A organização entende-se, assim, como “convocadora e facilitadora, trazendo à mesa de diálogo líderes religiosos, responsáveis políticos e peritos, para que possam encontrar soluções comuns para problemas comuns”.
Nascido para “promover o diálogo intercultural e inter-religioso, colocando membros de diferentes tradições e outros interessados a promover e participar em diferentes espaços de diálogo, o Centro inclui, actualmente, representantes das cinco mais importantes tradições religiosas: cristianismo, islão, judaísmo, budismo e hinduísmo.
O programa de formação de líderes admite candidaturas todos os anos. Dos 500 concorrentes ao último, na primeira fase foram escolhidas 20 pessoas por região, de onde saiu o grupo de 61 que participaram na formação de Lisboa (45 das quais presencialmente; as restantes, ainda por causa da pandemia, participaram à distância), prevendo também que alguns temas se relacionem preferencialmente com algumas regiões: por exemplo, a cidadania no mundo árabe ou a integração de imigrantes e a dimensão intercultural para a Europa.
Prevenir e abrandar o conflito

O grupo de bolseiros do seminário de formação de líderes, em Lisboa, durante a sua visita à Mesquita de Lisboa, dia 22 de Fevereiro. Foto © Nuno Patrício.
No actual momento, com uma guerra no Leste da Europa, Kyfork Aghobjian considera que estruturas como o KAICIID podem ter um papel importante no desanuviamento: “Primeiro que tudo, sensibilizando a opinião pública para o facto de que a religião é instrumentalizada para fins políticos. E quando se verifica esse fenómeno, podemos capacitar líderes religiosos para o enfrentar, podemos contribuir para a paz.”
Em relação ao que se passa na Ucrânia, o responsável do KAICIID considera que “os líderes religiosos não devem entrar nos jogos políticos”, de modo a evitar que a fé não seja usada “para jogos ou cálculos políticos”. É parte da missão do Centro “prevenir a instrumentalização das religiões nos conflitos”, diz. “Trabalhamos para prevenir essa instrumentalização ou abuso das religiões, dos valores religiosos e das posições religiosas; e para que a violência nunca seja utilizada com argumentos religiosos.”
“As religiões ou instituições religiosas, como um dos elementos cruciais da sociedade, podem desempenhar um papel construtivo, para prevenir o conflito, abrandar o conflito e construir a paz”, acrescenta Aghobjian. “Mesmo quando o conflito não tem conotações religiosas, os líderes religiosos podem jogar um papel para prevenir a escalada de violência, chamando as diversas partes ao cessar-fogo, prevenindo a violência ou refreando-a.”
O responsável do programa de bolseiros do KAICIID cita alguns exemplos actuais: “Creio que não há quase nenhum conflito em que a religião (sejam os líderes ou as instituições) não possa ter um papel; basta pensar na covid-19, nas migrações, na crise dos refugiados, nos ataques a lugares de oração. Em todas estas questões, que atravessam fronteiras, as instituições e líderes religiosos podem ter um papel crucial.”
Pensando no que se passa num âmbito mais interno das estruturas religiosas, Aghobjian diz que o KAICIID privilegia a prossecução do diálogo como forma de “entender e ouvir o outro”, em detrimento da participação em debates do interior das instituições. “Quando providenciamos o espaço, é possível que tudo se discuta. Mas o diálogo não precisa de terminar sempre com um acordo de paz, é um espaço para alargar a compreensão mútua. E podemos equacionar como podemos usar textos religiosos para incrementar esse diálogo.”
O diálogo, acrescenta ainda o responsável, é uma “ferramenta para aprendermos uns dos outros e também sobre nós próprios, é um meio muito efectivo de concretizar a nossa compreensão, para criar um terreno comum mais amplo onde possamos trabalhar em conjunto”.