
Vários setores católicos veem o processo sinodal lançado pelo Papa é visto como um risco ou uma ameaça para a Igreja. Na imagem, carta aos bispos sobre o Sínodo, de janeiro de 2023. Foto © synod.va.
A publicação do Instrumentum Laboris (instrumento de trabalho) para o Sínodo dos Bispos sobre a Sinodalidade, que se realiza em Roma em outubro, inquietou e movimentou vários setores católicos para quem o processo lançado pelo Papa é visto como um risco ou uma ameaça para a Igreja. Vários meios de comunicação têm vindo a dar visibilidade e a amplificar uma realidade que é, apesar de tudo, minoritária. Como o 7MARGENS recentemente noticiou, um cardeal e um bispo dos Estados Unidos da América deram voz a esses setores.
Sabe-se agora que por detrás dessa movimentação está uma rede de organizações ultraconservadoras e radicais, seguidoras do lema da “Tradição, Família e Propriedade” (TFP), que, através da sua base estadunidense, decidiram encomendar e promover o livro The Synodal process is a Pandora’s box [O processo sinodal é uma caixa de Pandora], com o prefácio e a bênção do cardeal Raymond Burke.
Segundo o site da organização italiana, o motivo da publicação foi a necessidade de “denunciar o perigo iminente de construir uma nova Igreja diferente da Igreja Católica que sempre existiu”, com decisões de cariz moral contrários à doutrina católica e uma organização de “pirâmide invertida”.
Campanha internacional contra o Sínodo
Aí se refere que o processo sinodal de “impacto potencialmente revolucionário” foi preparado e debatido por “insiders”, pelo que o público em geral saberia pouco do que se passa. Por essa razão, as associações TFP decidiram publicar um trabalho “em formato de catecismo” (na base de perguntas e respostas), para explicar o que está em jogo.
Para cumprir “o dever imperioso de denunciar os erros da reforma deste sínodo”, as associações patrocinaram a edição do livro em oito línguas (italiano, francês, português, alemão, espanhol, inglês, holandês e polaco).
Quem veio a terreiro desmontar os argumentos desta movimentação foi o arcebispo de Chicago, o cardeal Blase J. Cupich, na mais recente edição da coluna semanal que publica no jornal Chicago Catholic.
Intitulado “‘Sinodalidade’: Uma nova palavra para uma realidade antiga”, o texto começa por recordar que, para ser fiel a si mesma, a Igreja deve atuar de uma forma mais sinodal, em sintonia com o espírito do Concílio Vaticano II que sublinha que todos os católicos “têm a responsabilidade de participar ativamente na missão de proclamar o Evangelho”.
Recorda, depois, recorrendo ao documento sobre a sinodalidade, publicado em 2017, pela Comissão Teológica Internacional, como o caminhar em sínodo é uma dimensão antiga e mesmo constitutiva da própria Igreja. São João Crisóstomo observa mesmo que “igreja” é o nome de “caminhar juntos” (synodia).
“Apesar de todo este útil contexto teológico, diz, a dado passo o cardeal Cupich, infelizmente temos assistido a recentes declarações de alguns que contestam a decisão do Santo Padre de convocar um sínodo sobre a sinodalidade”, que suscitam inquietação, além de desfigurarem as intenções da iniciativa do Papa.
“Afirmações erradas alimentam o medo”

“Entre as afirmações erradas, que estão a alimentar o medo, está a de que a reunião em Roma, em outubro próximo, irá alterar radicalmente o ensino e a prática da Igreja, alinhando ambos com ideias seculares e resultando em cisma”, começa por explicar.
Anotou que, já na convocação do último Concílio, o uso de “táticas de medo” por parte daqueles que “resistem a qualquer tipo de renovação que envolva mudança” se verificou, como sublinhou João XXIII no discurso de abertura daquele grande acontecimento, chamando “profetas da desgraça” a esses que temiam que o Vaticano II arruinasse a Igreja.
A questão é que os “profetas da desgraça” de hoje “descaraterizam totalmente” os objetivos do Sínodo, entende o arcebispo de Chicago. E recorda: “a principal questão para o próximo sínodo é: Como é que devemos permanecer fiéis ao plano de Cristo para a Igreja?”.
Ora, foi o Papa João Paulo II que referiu que, esta pergunta, a Igreja deve levantá-la continuamente, quando escreveu na sua carta apostólica Novo Millennio Ineunte que as estruturas de governo da Igreja “precisam de ser constantemente examinadas para garantir que seguem a sua inspiração genuinamente evangélica”.
Embora aquele Papa reconhecesse, então, que “muito foi feito a este respeito desde o Vaticano II (…) ainda há trabalho a fazer” a fim de “realizar todo o potencial destes instrumentos de comunhão [como o sínodo], que são especialmente apropriados em vista da necessidade de responder pronta e eficazmente às questões que a igreja deve enfrentar nestes tempos de rápida mudança”.
Um elemento relevante para analisar estes debates tem que ver com o contexto específico da Igreja Católica dos Estados Unidos da América, que é habitualmente vista como tendo-se deixado arrastar por movimentos de polarização sociopolítica e de guerras culturais e ideológicas que atravessaram o próprio corpo episcopal, como ainda recentemente o Papa Francisco reconheceu.
Alguns destes setores radicalizaram-se de tal modo (quando consideram, por exemplo, que o Papa é herético ou mesmo usurpador do lugar) que se torna difícil dialogar ou debater argumentos e encontrar caminhos de convergência. Apesar de tudo, a Igreja da Alemanha, que apresenta, neste processo sinodal, desafios que têm encontrado resistências do Papa e da Cúria, nunca se fechou a dialogar sobre caminhos que os católicos daquele país entenderam escolher, queixando-se, pelo contrário, da falta de diálogo por parte de Roma.