
Ícone alusivo ao Akathisto, de São Romano, no orthos da Quaresma da Páscoa
Na minha infância este tempo era lúgubre, como um véu de tristeza que tudo cobria, nos rostos dos fiéis, nas decorações, na exaltação do sofrimento. Nunca o compreendi nem me associei até que as amêndoas, doces e o início da primavera me salvavam.
Na ortodoxia, a Páscoa celebra-se este ano no dia 16 de Abril de 2023. Mais propriamente na noite do Sábado, 15, prolongando-se pela comemoração da Ressurreição de Nosso Senhor Jesus Cristo no Domingo, 16.
Com início no Domingo do Fariseu e do Publicano (neste Domingo, 5 de Fevereiro de 2023), decorrerá um período de dez semanas, conhecido por Triódio da Quaresma, porque nesta altura apenas se cantam três odes em lugar de dez, nos cânones de matinas e outros ofícios de orthos (celebrações matinais durante alguns períodos do ano, como na quaresma).
Este período está dividido em três partes, uma de três semanas, ou de preparação, seguidas da Grande Quaresma durante seis semanas, culminando com a Semana Santa que antecede a Páscoa.
Considera-se que durante este período, a semana se inicia à segunda-feira, anunciada com uma comemoração no domingo anterior para despertar as mentes, a ascese e a alegria.
No rito bizantino, usa-se um livro denominado Triódion Quaresmal, com os textos a usar durante estas semanas e com leituras adicionais de Salmos e do Pentateuco.
No decurso deste período decorrem duas importantes festas: Anunciação a Nossa Senhora, no sábado, 25 de Março, e o Domingo de Ramos a 9 de Abril [este ano, Dia de Páscoa para católicos e protestantes].
O Domingo da Ortodoxia ou dos santos ícones (comemorando a vitória sobre os iconoclastas), introduz o período da Grande Quaresma.
É um tempo privilegiado para viver a Ressurreição, nas nossas vidas, para experimentarmos a alegria da vinda do Salvador e da sua Ressurreição em nós próprios.
Não é altura para tornarmos as nossas vidas tristes, absurdas, focados na inevitabilidade da morte e nos horrores do sofrimento.
Não é apenas o tempo de jejuns que privam o corpo de alimentos necessários, mas deve ser um consciente jejum espiritual, afastando o supérfluo e desnecessário, que nos lembra a travessia no deserto e a libertação do Povo de Deus, para vivermos alegre e intensamente a vida nas coisas belas e nos revestirmos do Homem Novo.
É um tempo de perdão, mas que deve ser precedido de arrependimento, com o coração de cada um a rejubilar de alegria.
Para que a quaresma seja vivida a sério, temos de ter um estilo e um ritmo de vida focado no interior de nós, mais do que na máscara externa, no esforço de considerarmos os outros nossos próximos, em que o nós é parte de outros.
No Triódon está o relevante e magnífico Akathistos, composto por São Romano, O Melodista (Homs 490 – 560 Constantinopla), que é um dos mais belos cantos litúrgicos, de que aqui deixo uma parte do poema, na minha tradução, dirigido à Anunciação à Virgem, no Ikos (ode cantada) após o Kontakion 1 (hino inventado por Romano e introduzido no meio das matinas), que nas versões portuguesas cantadas aparece com “Avé” em lugar de “Alegrai-vos”:
Alegrai-vos, por meio de vós resplandecerá a alegria:
Alegrai-vos, por meio de vós a maldição cessará!
Alegrai-vos, lembrai-vos de Adão caído:
Alegrai-vos, redenção das lágrimas de Eva!
Alegrai-vos, altura inacessível aos pensamentos humanos:
Alegrai-vos, profundidade indiscernível até mesmo para os olhos dos anjos!
Alegrai-vos, porque tu és o trono do Rei:
Alegrai-vos, porque suportas Aquele que tudo suporta!
Alegrai-vos, estrela que faz aparecer o Sol:
Alegrai-vos, ventre da Encarnação Divina!
Alegrai-vos, por meio de vós por meio de quem a criação se renova:
Alegrai-vos, por meio de vós que adoramos o Criador!
Alegrai-vos, ó Noiva sem pecado!
Alberto Teixeira é cristão ortodoxo.