Cardeal de Roma tomou posição

Abuso de mulheres por Rupnik: Cúria Romana continua em silêncio

| 27 Dez 2022

Pormenor de um mosaico de Marko Rupnik na Cova de Santo Inácio, em Manresa (Catalunha, Espanha), representando Adão comendo o fruto que Eva lhe dera. Foto © Medol, CC BY-SA 4.0, via Wikimedia Commons.

 

O caso dos abusos espirituais, sexuais e de poder do padre jesuíta Marko Rupnik, de nacionalidade eslovena e carreira desenvolvida em Roma, na proximidade com a Cúria do Vaticano, é provavelmente o mais dramático de uma nova etapa dos abusos na Igreja: aqueles em que as vítimas são “pessoas vulneráveis”, sobretudo mulheres consagradas.

De Rupnik, mundialmente conhecido pelas suas obras de arte e hoje reconhecido como abusador de freiras, já falaram os superiores da Companhia de Jesus, já falaram os bispos da sua Eslovénia natal e já falou o cardeal vigário da diocese de Roma. Só não falou ainda a Cúria Romana ou o próprio Papa. E o silêncio começa a ser ensurdecedor.

Na antevéspera de Natal, o cardeal Angelo de Donatis entendeu vir a público com um comunicado sobre “um caso que está a dar brado de acusação ao nível mediático” do padre Marko Ivan Rupnik, “acusado de graves abusos de vários tipos, prolongados no tempo, sobre várias pessoas, desde o início da década de 1990, na Eslovénia e na Itália”.

Donatis intervém neste assunto porque o clérigo em causa desempenha tarefas pastorais na Diocese de Roma, confiada à responsabilidade do cardeal. Em concreto, é reitor da igreja de S. Filipe de Neri no Esquilino e integra a Comissão Diocesana para a Arte Sacra e os Bens Culturais. E também porque o célebre Centro Aletti, atelier de trabalho de Rupnik e da sua equipa e por ele fundado tem, desde meados de 2019, o estatuto de associação pública de fiéis da Diocese.

Não deixando de observar que não é ele, cardeal vigário, que tem tutela disciplinar ou penal sobre Marko Rupnik – isso, observa, cabe aos superiores da Companhia de Jesus, da qual o padre é membro – Donatis começa por salientar os “numerosos e valiosos serviços de caráter ministerial” prestados à Igreja de Roma, ao longo de muitos anos, em particular a pregação de retiros e exercícios, sobretudo ao clero. Mais recentemente, em 2021, o cardeal encomendou a Rupnik e ao Centro Aletti, por um valor de mais de um milhão de euros, a decoração da capela do Seminário Maior Romano, uma obra que se espraia por cerca de 1700 metros quadrados de pintura e mosaicos, com cenas do Antigo e Novo Testamento.

 

O que diz de substantivo o comunicado do cardeal vigário (vigário, porque exerce a função em nome do Papa, que é o bispo de Roma)? Primeiro, que a Diocese só recentemente tomou conhecimento dos “problemas levantados” e que está “preocupada e consternada” com o que circula, sobretudo nos media. Que é, por outro lado, dever da Igreja aplicar “critérios de verdade” e estar “próxima de quem sofre”. Que o “caminho certo” a seguir pelos “ministros de Cristo” passa por “não se ser menos ‘garantista’ e caritativo do que é um Estado laico, transformando uma denúncia em crime”.

 

Em estudo medidas sobre o Centro Aletti

Cardeal Angelo de Donatis, Roma

Cardeal Angelo de Donatis, vigário para diocese Roma. Foto: Direitos reservados

O comunicado considera, nesta linha, que “os juízos que vemos difundidos por muitos, com particular veemência, não parecem manifestar nem um critério evangélico de busca da verdade, nem um critério básico sobre o qual se funda toda norma jurídica”.

Importa sublinhar que o texto de Donatis nunca refere a existência de vítimas: adota formas vagas e genéricas como “abusos sobre várias pessoas”, “pessoas envolvidas neste caso”. Por outro lado, parece esquecer que por duas vezes comportamentos de Rupnik foram julgados na então Congregação para a Doutrina da Fé e que, na primeira vez, foi aplicada a pena de excomunhão automática (levantada dias depois) e, na segunda, foi aceite a consistência dos factos denunciados, os quais não foram julgados por terem, entretanto, prescrito. Não parece, assim, estar-se perante uma condenação “a nível mediático”, com base em meras suspeitas.

Relativamente a medidas concretas, o cardeal anuncia ir considerar, em colaboração com os jesuítas, eventuais medidas quanto às responsabilidades pastorais de Rupnik. E, sobretudo, refere “ter de refletir e possivelmente tomar medidas” a respeito do Centro Aletti. Tudo em aberto, por conseguinte.

Apesar de tudo, esta posição de Angelo de Donatis representa uma alteração relativamente àquilo que este cardeal terá defendido escassos dias antes (16 de dezembro), numa reunião do conselho episcopal da diocese, a ser verdade o que relatou o site Silere non Possum.

Nessa instância, terá sido Donatis a defender que tudo o que se dizia de Rupnik não passava, no essencial, de uma “calúnia e nada mais” contra o jesuíta. Aí terá sido contraditado por um dos seus bispos auxiliares, Daniele Libanori, que foi quem fez, nos dois últimos anos, uma inquirição profunda sobre o processo da Comunidade Loyola, contexto em que terão ocorrido os abusos de Rupnik, numa primeira fase (o relatório foi entregue no início do verão passado, com a sua leitura e recomendações, mas até agora não foi objeto de decisão, nomeadamente no Dicastério para a Vida Religiosa).

 

Pessoas feridas pelo mal sofrido e pelo silêncio cúmplice”

Bispo Daniele Libanori, jesuíta, auxiliar da diocese de Roma

O bispo Daniele Libanori, auxiliar de Roma e jesuíta como Rupnik, contraditou o principal responsável da Diocese. Foto: Direitos reservados

Por esses dias, Libanori sentiu-se no dever de escrever aos padres da zona da diocese por que é responsável. A posição deste bispo, também ele jesuíta, transparece com clareza em dois trechos:

“Eu esforço-me por silenciar os sentimentos que crescem em mim diante de testemunhos chocantes, causados por silêncios arrogantes, que deixam escapar diante do mundo a imundície com que se destroem certas escolas espirituais”.

E mais adiante:

“As pessoas feridas e ofendidas, que viram a sua vida arruinada pelo mal sofrido e pelo silêncio cúmplice, têm direito a ser compensadas publicamente na sua dignidade, agora que tudo veio à tona. A Igreja – nós – temos o dever de um sério exame de consciência e aqueles que sabem que têm responsabilidades devem reconhecê-las e pedir humildemente ao mundo que perdoe o escândalo”.

Na véspera de ser divulgado o comunicado do responsável da Diocese de Roma, pronunciaram-se igualmente, em conferência de imprensa, os bispos católicos da Eslovénia, para condenar como “abominável” a violência emocional, sexual e espiritual cometida contra mulheres pelo padre Rupnik.

O pronunciamento é relevante não só por ser deste país que procede o famoso artista jesuíta, mas porque os abusos iniciais, na recém-constituída Comunidade Loyola, ocorreram na Eslovénia. E foram, nos anos posteriores as instituições deste país que reconheceram a projeção internacional desta figura. Por exemplo, o Governo esloveno atribuiu-lhe em 2000 o prémio Prešeren, o mais alto reconhecimento nacional para realizações no campo artístico – a propósito, a atual ministra eslovena da Cultura acaba de apelar a Rupnilk que restitua o prémio recebido.

Jesus Cristo e Inácio de Loiola carregando a cruz, pormenor de mosaico de Rupnik na Cova de Santo Inácio (Manresa, Catalunha): “As pessoas feridas e ofendidas, que viram a sua vida arruinada pelo mal sofrido e pelo silêncio cúmplice, têm direito a ser compensadas publicamente na sua dignidade.” Foto © Medol, CC BY-SA 4.0, via Wikimedia Commons.

 

A Conferência Episcopal esteve, assim, três semanas em silêncio, sendo que pelo menos alguns dos bispos há bastante tempo eram conhecedores do que se passava com este presbítero, já que é na diocese de Liubliana que está canonicamente registada e onde tem a casa-mãe a Comunidade Loyola. Mas a declaração que fez na última semana é clara na manifestação de solidariedade às vítimas: “Qualquer uso indevido do poder espiritual e autoridade para praticar violência contra subordinados é um ato inaceitável e abominável”, afirmaram os bispos.

No ponto em que as coisas estão, neste caso, as atenções voltam-se cada vez mais para a Cúria do Vaticano. Enquanto isso não acontece, crescem as dúvidas sobre o alcance da política de tolerância zero, definida pelo Papa relativamente aos abusos. E mais ainda: deixa a suspeita de que os prevaricadores não são todos iguais perante o quadro normativo vigente. Sem os esclarecimentos que tardam, aqueles que se opõem ao pontificado atual encontram neste caso paradigmático ampla matéria para as suas diatribes. Como já está a acontecer, como sublinharam várias fontes ouvidas pelo 7MARGENS.

 

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